Prof. Dr. João Eduardo Irion
INTRODUÇÃO
Um dia, não me lembro qual, no ano 2005, eu decidi usar minhas anotações para
escrever a história do uso das radiações no diagnóstico em medicina. Na minha
visão endocentrista de radiologista e de médico nuclear, o objetivo era contar
a história do uso dos raios X e dos raios gama no diagnóstico.
Quando me preparava para iniciar o trabalho, então lembrei que “radiação é o transporte de energia por meio
de ondas ou partículas que partem de um ponto e se propagam em todas as direções
independentemente de diferença de potencial”. A definição mudou o alvo do
projeto, para nele incluir outras radiações usadas no diagnóstico, mas que
foram ofuscadas pelo impacto da descoberta dos raios X.
Essa história não inclui as radiações corpusculares porque elas são
usadas em diagnóstico e estão envolvidas somente no campo da terapia.
Existem duas classes de radiações usadas em medicina: as ondas de choque
e as radiações eletromagnéticas. As ondas de choque compreendem o ruído, o som
e o ultrassom. Todas elas têm aplicação no diagnóstico e farão parte do estudo.
Nem todas as radiações eletromagnéticas são usadas no diagnóstico médico
e por isso o estudo está limitado às dos raios X e dos raios gama, do espectro
visível, dos raios infravermelhos, da radiofrequência e dos raios-T. Ficam de
fora os raios ultravioletas e as microondas as quais não têm aplicação no campo
do diagnóstico.
Antes do histórico vou apresentar uma classificação genérica de como as
radiações são utilizadas no diagnóstico, segundo meu ponto de vista. Há
radiações usadas para fornecer informações que chamarei de não-imagem. É o caso
das ondas de choque usada na cronometragem do pulso arterial e na medida da pressão
arterial. É caso também do uso do som na ausculta e na percussão. Outras
radiações fornecem imagens: é o caso dos raios X (na radiografia), dos raios
gama, (na cintilografia) e do ultrassom (na ultrassonografia), embora também elas
possam fornecer informações do tipo não-imagem tais como quantificações e
gráficos.
O ruído, o som e a luz visível são perceptíveis por nossos sentidos, mas
o mesmo não acontece com o ultrassom e as demais radiações eletromagnéticas,
embora os raios X de alta energia, os raios gama e os raios cósmicos possam
produzir o fenômeno chamado fosfene. O termo fosfene se refere à percepção de radiações
de alta energia quando atuam de modo indireto na retina ou, então, quando
fontes intensas de radiações, em condições de baixa umidade, são sentidas pondo
os cabelos dos braços em pé ou criando a sensação de formigamento da pele.
A percepção das radiações eletromagnéticas (exceto a luz visível) e do
ultrassom só é possível por meio de equipamentos especiais, genericamente
classificados como transdutores, embora não se use essa palavra para designar
os complexos aparelhos de radiologia, ultrassonografia, ressonância magnética e
medicina nuclear.
Esta história pretende contar não só a descoberta de cada radiação, mas
também a destacar os gênios que estudaram a natureza de cada uma delas e criaram
aparelhos e técnicas para utilizá-las no diagnóstico.
O projeto é postar neste blog, de tempos em tempos, na medida em que
conseguir elaborá-los os seguintes temas:
·
A história das ondas de choque e seu uso na medida
do pulso de da pressão arterial;
·
A história do ruído e do som no seu uso na
ausculta e na percussão;
·
A história do espectro visível e seu uso na
endoscopia;
·
A história dos raios X e seu uso na radiologia;
·
A história da radioatividade e seu uso na
Medicina Nuclear;
·
A história da radiofrequência na ressonância
magnética;
·
A história do ultrassom e seu uso na radiologia;
· A história dos raios infravermelhos e uso na
termografia;
·
A história dos raios T e perspectiva de uso em diagnóstico.
·
A história do campo magnético na magnetografia.
ONDAS DE CHOQUE: PULSO ARTERIAL
A preocupação dos médicos
com o pulso se perde no passado. Os antigos egípcios já conheciam a origem da
pulsação e da função de bombeamento do coração. O pulso foi mencionado no
papiro de Edwin Smith que data de 1600 a.C. no papiro terapêutico de Thebes de
2552 a.C. e no papiro de Ebers de 1550 a.C. Nesse último papiro está dito que “colocando-se os dedos sobre várias partes do
corpo verifica-se que o coração "fala" através dos vasos”.
No hieróglifo do papiro de
Smith, o símbolo à direita representa um contador de tempo à base de sementes.
Herphilus de Alexandria
(335-280 a. C), que é considerado clínico e também o primeiro anatomista,
influenciado por Hipócrates (460 a.C.), fundou a “doutrina do pulso”, descrevendo com exatidão as pulsações e as
correlacionou com a sístole e a diástole cardíaca, afirmando que o pulso é um
fenômeno que ocorre dentro dos vasos. Erasistratus (330 a.C.), o fundador da
fisiologia, considerou que “o coração dá
origem ao espírito vital que é levado pelas artérias a todas as partes do
corpo”.
Foi Lucius Annaeus Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.) quem disse
"O médico não pode receitar por
carta o momento de comer ou de banhar-se; ele deve tomar o pulso."
O PULSILOGIUM
Veremos a seguir que o pulso desempenhou importante papel na origem do primeiro
aparelho usado em medicina e também no aperfeiçoamento do relógio.
Galileu Galilei (1564/1642) descobriu as propriedades do pêndulo quando
observou na catedral de Pisa um sacristão puxar um candelabro para acender-lhe
as velas e largá-lo oscilando. Galileu, nesse momento, usou sua própria pulsação
para medir o tempo de oscilação do candelabro. Com essa observação Galileu deu
início aos estudos dos pêndulos.
Em novas observações Galileu verificou que o tempo de oscilação de um
pêndulo depende de seu comprimento e assim ele teve a ideia do procedimento
inverso: variar o comprimento do pêndulo e comparar sua freqüência de oscilação
com o a frequência do pulso. Foi assim que em 1602, surgiu o invento chamado
“pulsilogium” aparelho simples que, se fosse batizado hoje, receberia o nome de
“pulsímetro”.
O pulsilogium é um pêndulo no qual o operador pode mudar o comprimento
para fazer o número de oscilações coincidirem com o número de pulsações de um
paciente. O aparelho não mede tempo, apenas correlaciona frequências, criando
um método objetivo para o médico acompanhar, pela variação de comprimento do
pêndulo, a evolução da doença e a eficácia do tratamento.
O pulsilogium é considerado o primeiro aparelho usado em medicina e, como
tal, foi o ponto de partida da instrumentação usada no diagnóstico. Não se sabe
se a invenção do pulsilogium se deve a Galileu ou a seu amigo, médico de Pádua,
chamado Santorio Santorio, Santorio Santorii ou Sanctorius de Pádua (1561
- 1636)
ou então aos dois, mas certamente Santorio o introduziu na prática médica..
Galileu e seu filho Vicenzio construíram o primeiro relógio preciso, fundamentado
nas propriedades do pêndulo. Em 1657, quinze anos depois da morte de Galileu,
Chistian Huyugens publicou um livro descrevendo a construção de relógio de pêndulo,
o que consagrou seu uso.
A construção de relógios a partir da invenção de Huygens permitiu a cronometragem
das pulsações. A primeira referência à cronometragem das pulsações é atribuída
ao médico inglês Robert Fludd.
ONDAS DE CHOQUE: A PRESSÃO ARTERIAL
O registro da primeira referência da diferença de pressão sanguínea é atribuída
ao quadro da decapitação de São João do pintor Giovanni de Paola (1403-1493).
Nesse quadro, há vasos jorrando e vasos gotejando.
Considera-se como primeira tentativa de medida da pressão arterial a
experiência do reverendo inglês Stephen Hales, realizada em dezembro de 1733.
Ele mediu a pressão arterial de uma égua, usando como manômetro um conjunto de
tubos de cobre e vidro diretamente ligado a uma artéria do animal. Um século
depois, em 1828, o médico e físico Jean Leonard Marie Poiseuille (1799-1869)
melhorou o sistema de Hales criando um aparelho que chamou “hemodinamômemtro”.
Em 1856, o cirurgião J. Faivre fez, durante um ato cirúrgico, a primeira
medida da pressão arterial num homem. A pesquisa para a medida não invasiva da
pressão arterial apareceu e cresceu nos meados do século XIX. Em 1855, Karl
Vierordt (1814-1884) estabeleceu o princípio de que para medir a pressão
sistólica de forma indireta e não invasiva era necessário comprimir uma artéria
até que a pulsação cessasse. Ele então inventou um sistema de pesos para
bloquear a pulsação da artéria radial. Logo esse sistema foi aperfeiçoado por
outros pesquisadores, porém nenhum sistema conseguiu gerar aparelhos, resultados
e aplicações práticas.
Em 1896, Scipione Riva Rocci, Professor Assistente de Clínica Médica em
Turim, resolveu definitivamente o problema da medida da pressão sistólica por meio
de um equipamento prático e portátil. Ele deu a seu aparelho o nome de “angioparatlibometro”,
nome que foi substituído por “esfiogmomanômeto”. O sistema proposto era formado
por um tinteiro e um tubo de vidro ambos cheios de mercúrio ligados a uma pera
que enchia um pneu de bicicleta. O principal aperfeiçoamento do
esfigmomanômetro ocorreu em 1.901 quando pneu foi substituído por um manguito
com 12 cm de largura por H. Von Recklinghausen.
Além do aparelho, Riva Rocci mudou a artéria a comprimir e escolheu a artéria
umeral “por estar mais próxima da aorta,
por não ter circulação colateral e porque pode ser comprimida em todas as
direções".
Pelo sistema de Riva Rocci, a pressão sistólica era medida mediante
a compressão da artéria e simultaneamente
tomando-se o pulso radial até desaparecer a pulsação. A segui a artéria era
descomprimida lentamente e considerava-se como pressão sistólica o valor
registrado no tubo de mercúrio no instante que o pulso radial reaparecia.
A medida da pressão diastólica permaneceu como um problema até que o médico
militar russo Nicolai Segeivich Korotkoff (1874-1920) apresentou em 1904 à Imperial
Academia Médica Militar de São Petersburgo uma tese com cento e setenta e oito
palavras em russo sobre a técnica de medir a pressão arterial sistólica e
diastólica, usando um estetoscópio.
BIBLIOGRAFIA:
Sites consultados na internet em
junho de 2013:
http://historiadafisicauc.blogspot.com.br/2011/06/galileo-e-o-pendulo.html
http://www.fisiologiaufs.xpg.com.br/apostilas/historia_medida_pa.pdf
http://www.sitequente.com/frases/medico.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Fludd
http://publicacoes.cardiol.br/abc/1996/6705/67050001.pdf
PRÓXIMA POSTAGEM –
ONDAS DE CHOQUE – PERCUSSÃO E AUSCULTA
Muito interessante, Dr Irion! Já estou ansiosa pelos próximos capítulos!!
ResponderExcluirObrigado. Aguarde, ms antes vem Cacequi.
ResponderExcluiro pulsilogium funciona da mesma forma que um metrônomo e também tem a mesma função para os mûsicos. Não é atoa que nos chamamos essa sincronia de "pulso"
ResponderExcluirÉ interessante tua observação. O o pulsilogium já não serve para nada em medicina, mas continua útil para a arte!
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