V - A HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR– HEVESY
E O CONCEITO DE RADIOTRAÇADOR = A EXPERIÊNCIA DE BLUMGART = A TERAPIA COM
RADIOISÓTOPOS NATURAIS
Prof. Dr. João Eduardo Irion
Aposentado da Faculdade de Medicina
Universidade Federal de Santa Maria – RS – BR
Médico Nuclear
do Serviço de Medicina Nuclear de Santa Maria
jirion @terra.com.br
joaoeduirion.blogspot.com.br
GEORGE
DE HEVESY
George de Hevesy, físico-químico húngaro,
cujo nome de batismo era Hevesy György, também
conhecido como Georg Karl von Hevesy
recebeu o Prêmio Nobel de Química de 1943 por suas pesquisas e pela criação do conceito de
radiotraçador.
Ilustração 1
Geoge de Hevesy
Hevesy começou a desenvolver o conceito de
radioindicador, termo que ele usou no trabalho “Ueber Rodioelemente als
Indikatorem in der analytschen Chemie”, palavra posteriormente substituída por
radiotraçador. A história começa em 1911, quando ele trabalhava com Rutherford
que o encarregou de separar o “rádio D” de uma amostra de chumbo. Hevesy não
conseguiu a separação por meios químicos disponíveis na época, porque rádio D (210
Pb) é um isótopo radioativo do chumbo. Percebendo o significado do fato,
em 1913, já em Viena, Hevesy usou sais radioativos de outro isótopo do chumbo (212Pb)
para determinar a solubilidade do chumbo. O trabalho “The Solubility of Lead
Sulphide and Lead Chromate" (Hevesy and Paneth 1913) tornou-se a primeira
publicação sobre a técnica do radiotraçador e veio para remodelar a ciência no
século XX e servir de base a uma nova especialidade médica.
Em 1923, de Hevesy usou o 212Pb
pela primeira vez num sistema biológico e sua experiência constou em irrigar o
feijão da espécie Vicia
faba com o indicador no líquido nutriente e depois incinerar a planta para
mediar a radioatividade nas cinzas. Essa
técnica tinha a desvantagem da alta toxidade do chumbo nos sistemas biológicos
e só depois da descoberta da radioatividade artificial por Irène e Frédéric
Joliot em 1934, os radiotraçadores foram usados mais amplamente como um
poderoso instrumento de pesquisa nos sistemas vivos.
Em 1924, junto com I. A.
Christiansen e S. Lonholt, Hevesy estudou pela primeira vez a fisiologia animal
injetando bismuto 83Bi214 radioativo em um coelho.
Em 1933, Harold
Urey deu a Hevesy alguns litros de água com 0.6% óxido de deutério (isto é, a
água pesada). Hevesy e seu amigo E. Hofer beberam 150, 250, e 2000 ml dessa
água. Depois de recolherem 55 amostras de urina e fezes, fizeram mais de 1000
destinações e por meio de medidas gravimétricas concluíram que no ser humano a
água aparece na urina em 26 minutos após ser bebida,
permanece no corpo, em média, por treze dias e meio e
que o corpo humano contém cerca de quarenta e três litros de água. Essas foram
as primeiras medidas biológicas da diluição de um radioisótopo, chamado a
atenção o fato de que, no caso, o isótopo usado era estável.
Em 1935, Chievitz e Hevesy produziram fósforo
32 bombardeando dissulfito de carbono com neutros oriundos de fonte de radônio
e berilo. Com o 32P estudaram o metabolismo do fósforo em ratos e o
relataram no trabalho “Radioactive Indicators in the Study of Phosphorous
Metabolism in Rats" (Chievitz and Hevesy 1935), demonstrando que existe um
equilíbrio dinâmico nos sistemas biológicos, um conceitos revolucionários na
época.
Hevesy escreveu numerosos trabalhos, mas os
citados foram suas principais contribuições para a criação dos princípios dos
radiotraçadores.
O INÍCIO
DA MEDICINA NUCLEAR
HERMANN
BLUMGART
A primeira e mais famosa aplicação de
radioisótopo em um ser humano aconteceu em fevereiro de 1925, quando Hermann
Lwdwig Blumgart, médico chefe do Beth Israel Hospital em Boston e professor de
Medicina da Harvard Medical School, mediu, em segundos, a velocidade de
passagem do sangue entre dois pontos do corpo humano, usando para isso isótopos
radioativos.
Ilustração
2
Hermann Blumgart
Nessa época, em Harvard, William Duane usava
agulhas com radônio para a terapia do câncer e media a radiação o com um
detector colocado fora do paciente. O fato inspirou Blumgart para planejar sua
experiência.
Na ocasião, só existiam isótopos radioativos
naturais oriundos da desintegração do urânio e rádio e Blumgart procurou entre
eles uma substância com as seguintes qualidades:
·
a substância deveria
ser atóxica;
·
a substância não
deveria existir no corpo antes do estudo;
·
a substância não
deveria ser alterada durante o processo de mensuração;
·
a substância deveria
ser detectável em mínimas quantidades.
A experiência planejada devia ser:
·
Um método objetivo,
exigindo pouca ou nenhuma participação do paciente;
·
Um método
não-invasivo, exceto pela administração da substância;
·
Um método rápido para
indicar automaticamente o tempo de chegada da substância.
Com esses pré-requisitos era como se Blumgart
estivesse lançando os fundamentos do uso dos radiotraçadores em Medicina
Nuclear.
O rádio C (composto de uma mistura de 83Bi214
e de 82Pb214) era nos anos 20 usado para fins
terapêuticos em doses entre 1800-2700 MBq, sem efeitos colaterais e por isso,
Blumgart concluiu que poderia usá-lo com segurança em doses menores entre
37-222 MBq.
Um segundo problema a resolver era a escolha do
detector a ser usado. Nessa época, contava-se somente com o eletroscópio de
folhas de ouro, seu uso foi descartado porque era um aparelho que fornecia
respostas lentas. O detector Geiger em 1925, ainda não aperfeiçoado, detectava
somente radiação α e, ainda mais, oferecia perigo para ser usado em pacientes
porque trabalhava com voltagem elevada. Restava como alternativa a câmara de
Wilson porque ela detectava radiação β e raios γ e, depois que foi modificada
por Takeo Shimizu, o tempo morto foi reduzido e a câmara se tornou sensível.
A câmara de nuvens de Wilson necessitava
adaptações e Blumgart confiou a Otto C. Yens, um estudante do segundo ano de
medicina tais ajustes.
Yens fez três modificações na câmara; a
primeira consistiu em modificar o sistema de descompressão para aumentar-lhe a
sensibilidade; a segunda foi reduzir a voltagem de trabalho, originalmente de
200 V para 50 volts, com o objetivo de segurança para o paciente; a terceira
modificação foi a mais importante, uma vez que, na câmara original, a fonte
radioativa para ser medida estava no interior do aparelho, mas a experiência necessitava
de um detector de radiação externo ao instrumento. Na última modificação, Yens
substituiu o cilindro de vidro da câmara original por um cilindro de celulóide
para permitir a entrada de radiações β e γ oriundas de uma fonte externa ao
aparelho.
O próprio Blumgart foi a cobaia na primeira
experiência. O “radiofármaco” foi injetado em seu braço direito, possivelmente
por Yens, estando a câmara colocada junto ao braço esquerdo e separada do corpo
do paciente por uma blindagem de chumbo. Blumgart não relatou tempo de
circulação obtido nessa experiência, mas ele passou a considerar como normais
tempos entre 15-21 segundos em pessoas sãs e entre 50-60 s em pacientes com
insuficiência cardíaca.
Blumgart é considerado o
fundador ou “pai” da Medicina Nuclear em virtude de sua expediência pioneira,
enquanto Yens é considerado o fundador ou “pai” da instrumentação em Medicina
Nuclear, por ter criado o primeiro equipamento para uso específico no setor.
Em 1979 o Capítulo New England
da Society of Nuclear Medicine criou o Prêmio Hermann Blumgart e em 1989 de
Vascular Council assumiu a responsabilidade de conceder esse prêmio como
reconhecimento às contribuições no campo da Cardiologia Nuclear e dos serviços
ao Conselho.
A TERAPIA NA ERA DA DESCOBERTA DA RADIOATIVIDADE
No primeiro período da história da Medicina Nuclear a
terapia com radioisótopos só podia ser realizada com rádio e radônio. A
contaminação que o radônio produzia exigia terapia com fontes seladas, colocando-a
fora dos limites da especialidade. Assim, a abordagem do tema será feita “em
passant”, visando somente alguns detalhes do uso e consequências das radiações
nucleares em medicina, na indústria e no comércio.
Em 1900, os médicos Otto Wallofff e Frederick Geisel
observaram efeitos na pele causados pela radiação emitida pelo rádio e similares
aos dos raios X. Em 1901 Eugène Bock usou rádio para tratar lesões cutâneas. Em
1901, Pierre Curie sugeriu ao médico Henri-Alexandre Damlos a inserção de fontes
radioativas em tumores. Damlos aceitou a sugestão e constou que os tumores
regrediam com a irradiação. De modo independente Alexandre Gaham Bell também
sugeriu o uso de radiações dessa forma. Foi assim que, no início do século XX,
desenvolveu-se a curieterapia ou braquiterapia (esse último nome sugerido por
G. Forsell em 1931). As técnicas de braquiterapia foram desenvolvidas por
Danlos no Instituto Curie e por Robert Abbe no St. Luke´s Memorial Hospital, em
Nova Iorque.
Além da braquiterapia
houve o uso de isótopos naturais injetáveis para tratamento de tumores. Damlos,
por exemplo, usou, para isso, o rádio C (uma mistura de 82Pb214
e 83Bi214)
em doses terapêuticas, no valores atuais de 1,850- to 2,775 MBq, sem efeitos
colaterais. Fo observando essa aplicação que Blumgart resolveu usar o radio C em sua experiência na determinação da
velocidade sanguínea já descrita neste trabalho.
Outro caso de uso interno
de radioisótopos naturais, ainda que sem
fundamentos científicos, ocorreu na primeira década do século passado
quando Fredericck Poescher injetou cloreto de rádio em pacientes para
tratamento da hipertensão e tratamento de artrite.
O uso do rádio e do radônio requeria blindados em
agulhas. Houve um hospital no qual, durante a esterilização, uma agulha de rádio
foi quebrada e o radônio contaminou todo o prédio e a contaminação se estendeu
até para as casas das pessoas que ali trabalhavam ou que visitaram o hospital,
levada pelo radônio nas roupas e sapatos para suas residências. Muitos
pesquisadores foram vitimas da radiação, e a mais famosa delas foi Marie Curie
que morreu de anemia aplástica.
Entre 1901-1902, foi descoberta radioatividade em águas
minerais por Elser e Geitel na Alemanha, por Poschettino e Sella na Itália e
por Meyer e Mache em St. Joachimtal e Tompson em Cambridge. Dois anos depois,
Himsted verificou que a radioatividade na água era devida ao radônio Atribui-se
poder curativo às águas desse tipo, dando origem à implantação de balneários
especializados, embora, na década de 20, estudos clínicos não confirmaram
efeitos curativos significativos das água minerais.
No início da década de 20, começou a fabricação de
relógios com mostradores e ponteiros luminosos com sais de rádio, pintados por
mulheres. No trabalho, as operárias costumavam molhar os pincéis na boca,
contaminando-a com resíduos do sal. Já em 1924, começaram os relatos de necrose
das mandíbulas e maxilas dessas trabalhadoras e, posteriormente, aparecimento
de neoplasias orais em consequência da irradiação produzida pelo rádio. O rádio
como os raios X foram vítimas de aproveitadores que o apresentavam como
panacéia. Um exemplo foi o Radoiothor
fabricado desde 1918 a 1928, composto de rádio 226 e 228, anunciado como “a
cura para o morto vivo”.
Ilustração 3
O Radiothor..
Ilustração 4
- Anúncio de Produto de beleza conte4ndo radio.
Esses eventos deram origem ás normas de radioproteção.
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