Prof. Dr.
João Eduardo Irion
Faculdade de
Medicina
Universidade
Federal de Santa Maria – RS – BR
Médico
Nuclear
Serviço de
Medicina Nuclear de Santa Maria
jirion
@terra.com.br
joaoeduirion.blogspot.com.br
RADIOIMUNOENSAIO
O radioimunoensaio
praticamente surgiu com o aparecimento da imagem e com ele, além da terapêutica
e da clínica, as provas laboratoriais in vitro passaram a integrar a Medicina
Nuclear.
Em 1950 a física
Rosalyn Sussman Yalow e o médico Salomon A. Berson começaram a trabalhar no
Laboratório de Medicina Nuclear no Veteram Administration Hospital, em Nova
Iorque, no Bronx. O objetivo do trabalho era determinar, por meio de
radioisótopos, o volume sanguíneo, fazer o diagnóstico clínico das doenças da
tireóide, estudar a cinética do iodo e a distribuição da globina dos pacientes
hospitalizados. Nessa ocasião, o Dr. I. Arthur Misky levantou a hipótese de que
o diabete melito não era devido à deficiência de eliminação do hormônio pelo
pâncreas, mas podia ter como causa a rápida degradação da insulina pela
insulinase hepática. Para confirmar a hipótese, Yalow e Berson começaram a
estudar o metabolismo da insulina com injeções intravenosas de insulina marcada
com I-131 em um grupo de pacientes diabéticos e outro grupo de controle
composto de pessoas não-diabéticas.
Ilustração
1
- Rosalyn Sussman Yalow
O resultado mostrou
que a insulina desaparecia mais lentamente do plasma de pacientes previamente
tratados com insulina exógena (tanto para o diabete como para terapia com
choque insulínico em esquizofrênicos) do que do plasma dos pacientes que nunca
foram tratados com o hormônio. Com essa constatação, eles concluíram que a
lentidão no ritmo de desaparecimento da insulina era devido à ligação do
hormônio marcado com um anticorpo que aparecera como resposta à administração
prévia do hormônio. Nessa época não existiam técnicas laboratoriais com
sensibilidade suficiente para detectar anticorpos em baixíssimas concentrações
e, por isso, os dois pesquisadores começaram a desenvolver um método para medir
a quantidade do complexo antígeno-anticorpo por meio de radioisótopos.
Nos nove anos
seguintes, os dois pesquisadores trabalharam no desenvolvimento da técnica que,
concluída, passou a se chamar Radioimunoensaio (abreviadamente RIA) acrômio da
expressão em inglês radioimunoassay. De início, foi usado I-131, mas
depois o I-125, porque esse último
isótopo do iodo é emissor de radiação γ de baixa energia, mais adequada para
ser medida em detectores de poço.
O método tornou-se
capaz de medir concentrações de proteínas no plasma entre 10-40 a 10-12
M. Por sua alta sensibilidade e alta especificidade RIA revolucionou a
endocrinologia no diagnóstico de doenças causadas por excesso ou deficiência de
hormônios e, além disso, foi contribuição fundamental para o entendimento da
fisiologia hormonal em geral, regulação da secreção hormonal, mecanismos de
liberação dos hormônios e outros fenômenos biológicos.
Os trabalhos de
Rosalyn Sussman Yalow e de Salomon A. Berson foram concluídos em 1959, quando
tentaram publicar os resultados, mas duas revistas especializadas recusaram o
trabalho da comunicação dos achados, porque o método contrariava os
conhecimentos dos endocrinologistas e imunologistas da época que não
acreditavam que os peptídeos se comportavam como antígenos. A justiça veio mais
tarde e, pela importância revolucionária do radioimunoensaio, Yalow e Berson
(esse já falecido) receberam o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1977.
RIA não é uma técnica
específica e limitada para o sistema imunológico. Ela pode ser usada em outros
sistemas nos quais, no lugar do anticorpo específico. há um reagente a uma
substância de ligação especifica.
As aplicações do RIA
podem ser assim sistematizadas: 1) - medida de hormônios peptídeos – hormônios
da pituitária, hormônios coriônicos,
hormônios pancreáticos, hormônios calcitrópícos, hormônios gastrointestinais, hormônios
dos tecidos vasoativos, outros; 2) –
medida de hormônios não-peptídeos - hormônios tireóideos, esteróides ,
prostaglandinas e aminas biológicas; 3) medidas de substâncias não hormonais –
drogas e vitaminas, nucleotídeos cíclicos, enzimas, vírus, antígenos tumorais,
soroproteinas e outros.
Em 1964, a Amersham
começou a vender os primeiros kits para radiouminoensaio da insulina marcados
com I-125.
Embora
RIA seja uma técnica extremamente sensível e específica, os bioquímicos
procuram não usar substâncias radioativas em seus laboratórios ou são impedidos
de fazê-lo por falta de qualificação para trabalhar com radionuclideos. Dessa
forma o RIA começou a ser substituído por reações com ligação de enzimas
imunoabsorventes (ELISA), que usam medidas colorimétricas por fluorescência no
lugar da radioatividade. Em muitos países do mundo ocidental, essa técnica fez
RIA desaparecer.
O GERADOR DE TECNÉCIO
O tecnécio não tem isótopos estáveis e por isso
é muito raro encontrá-lo na natureza. Esse nuclídeo foi descoberto por Carlo
Edmond Perrier e por Emilio Segré na Itália em 1937, quando analisaram uma
amostra de molibdênio que fora bombardeada com deutério no cíclotron de
Berkeley. O nome tecnécio foi dado ao nuclídeo por Segré um ano depois da
descoberta, aceitando a sugestão de um colega grego que informou que a palavra
“technetos” significa artificial em
grego, perfeitamente justificada pela forma de produção artificial do nuclídeo.
A ideia de construir geradores conhecidos como
“vacas” (cows) cabe a Warren E.
Winsche, um engenheiro químico que trabalhou no Oak Ridge National Laboratory e
depois em Brookhaven. Ele partiu do princípio de que é possível obter-se
isótopos de meia-vida curta (filhos)
a partir de um nuclídeo de meia-vida longa (pai).
Os geradores permitiram o uso em Medicina Nuclear de nuclídeos de meia-vida
curta em lugares distantes do local de produção.
Em 1958, Walter Tucker e Louis G. Stang,
chefe da
Hot laboratory Division construíram o
gerador telúrio-132/iodo-132 (esse com meia-vida de 2 horas e 28 minutos). O
problema do gerador era a contaminação de pequenas quantidades de telúrio no
eluato de iodo-132 porque era injetado contaminado com telúrio, fato que os
pacientes reclamavam porque a contaminação produzia um forte hálito de alho.
Esse problema foi resolvido com o uso de uma coluna de óxido de alumínio no
gerador com a qual se obteve um produto puro.
Ilustração 2 - Walter Tucker e Louis G.
Stang.
Tucker e Margaret Greene (a química do Hot
Laboratório) encontraram outra impureza no gerador telúrio-132/iodo-132 e nesse
caso foi a presença do 99mTc, constatando que esse nuclídeo provinha
de um elemento “pai”, o 99Mo. Partindo da semelhança entre o par telúrio-iodo com o par molibdênio-tecnécio, os dois
pesquisadores criaram o primeiro gerador de tecnécio usando também o óxido de
alumínio para purificar o eluato.
Tucker disse: “O isótopo é perfeito, tem uma só radiação γ, não tem radiação β e tem
meia-vida de seis horas. A gama câmera está chegando o tecnécio tem um nível de
energia ideal para a câmera de cintilação”.
Powell Richards, chefe da produção de
radioisótopos do laboratório, percebeu o potencial do tecnécio na Medicina
Nuclear e apresentou um trabalho sugerindo seu uso como traçador no 7th
International Eletronic and Nuclear Symposium em Roma, em junho de 1960. Nesse
ano, no The Society of Nuclear Medicine1s Southwestern Capter Meeting, foi
apresentado o tema “Radioisotopic Cows”
sobre o gerador de tecnécio. Esse trabalho foi publicado no primeiro exemplar
do Journal of Nuclear Medicin de 1960.
No voo de volta de Roma Richard encontrou Paul
Harper da University of Chicago e do Argone Cancer Research Hospital. Durante a
viagem, Richard falou para Harper do gerador e das qualidades do tecnécio. No
ano seguinte, Harper encomendou do Brookhaven National Laboratory o primeiro
gerador de tecnécio com a intenção de usar o novo radionuclídeo para medir
fluxo sanguíneo de pacientes. Foi pesquisando fluxo sanguíneo que Harper
constatou a captação rápida do traçador pela tireóide e por tumores cerebrais.
Essas descobertas despertaram o interesse dos médicos nucleares sobre o uso do
tecnécio como radiotraçador, estimulados pela facilidade de obtenção de
geradores, pela meia-vida curta, pela baixa irradiação dos pacientes e pela
emissão pura de γ cuja energia é adequadamente baixa para ser usado com a
câmera de cintilação.
Foi assim que as propriedades do técnécio (melhores do que as qualidades
do iodo-131) o tornaram radiomarcador de eleição, dando origem à Segunda Fase
do uso de radiofármacos em Medicina Nuclear, a Fase Pós-tecnécio.
O grupo de Richard criou o colóide de enxofre marcado com Tc, o
pertectenato, o kit para marcação do ácido dietilenotriaminopentacético (DTPA)
e o kit para marcação de glóbulos vermelhos. Na reunião anual de Berkeley de 1964 ele promoveu primeira reunião do Clube do Tecnécio.
Em 1966, o BNL tornou-se de incapaz produzir e distribuir os geradores de
tecnécio para atender a crescente demanda e transferiu a produção e
distribuição para o setor privado comercial. O primeiro gerador comercial foi
vendido pela Nuclear Consultants, Inc. de St. Louis (mais tarde incorporada
pela Mallinckrodt) e pela Union Carbide Nuclear Corporation de Nova Iorque.
CIRURGIA RADIOGUIADA
A ideia da cirurgia radioguiada, fundamentada no acúmulo de um
radiotraçador em tecido anormal e localizado por meio de um detector não é
recente. A primeira cirurgia desse tipo foi realizada por Selverstone e sua
equipe da Harvard Medical School de Boston em 1949, após injetar no paciente
fósforo-32 (emissor de radiação β), para localizar um tumor cerebral por meio
de um detector Geiger-Müller. Eles usaram essa técnica numa série de 33
pacientes
William H. Sweet usou um detector Geiger-Müller de apenas 2 mm de
diâmetro para localizar tumores cerebrais em pacientes nos quais também injetou
fósforo-32. Ele comunicou os
resultados no trabalho “The use of nucler
desintegation in the diagnosis and treatment of brain tumors”, publicado no
The New England Journal of Medicine de dezembro de 1951.
O primeiro relato do uso de uma sonda ou detector específico para
radiação gama foi feito por Harris e sua equipe do Oak Ridge Institute of
Nuclear Studies Medical Hospital em 1956. Nesse caso, a cirurgia foi realizada
para localizar resto de tecidos tireóideos após tireoidectomia e depois da
administração de I-131.
Em 1981, já na era tecnécio, Harvey do Presbiterian Hospital of Dallas
foi o primeiro a usar uma sonda detectora de radiação γ e a injeção de 99mTc
MDP para realizar biópsia radioguiada de lesões ósseas benignas e para biópsias
de metástases em ossos.
Em 1984, Aitken do The Ohio State University em Columbus realizou uma
cirurgia radioguiada de câncer coloretal usando I-131, marcando anticorpo
monoclonal. Nesse mesmo ano, Ubhi do Queen’s Medical Center University Hospital
de Nottingham, Inglaterra usou cloreto de tálio-201 em cirurgia radioguiada de
adenoma de paratireóide. Três anos depois, em 1987, Sickle-Santonello da The
Ohio State University em Columbus usou pela primeira vez de anticorpo
monoclonal anti-TAG-72 marcado com 1-125.
A primeira comunicação de localização de nódulo sentinela em cirurgia
radioguiada de câncer de mama ocorreu em 1993, no trabalho de Krag da The
University of Vermont em Burlington que usou colóide marcado com Tc-99m. No
mesmo ano, Alex, da mesma universidade, fez pela primeira vez a localização de
nódulo sentinela usando colóide marcado com Tc-99m em cirurgia de melanoma.
O primeiro a comunicar o uso e MIBI marcado com Tc-99m para detectar adenomas ou hiperplasias
de paratireóide foi Martinez da The Ohio Satate University em Columbus, no ano
de 1995.
Em 1997, Norman e Chheda da University of South Florida em Tampa usou
MIBI marcado com Tc-99m para tratamento cirúrgico de hiperparatireoidismo
primário.
Em 1999, Desai da The Ohio State University de Columbus usou pela
primeira vez 18F-FDG em cirurgia de câncer coloretal.
A EVOLUÇÃO DAS SONDAS PARA
CIRURGIAS RADIOGUIADAS
As sondas para cirurgia radioguiada compreenderam detectores gasosos,
detectores com cristais e detectores com semicondutores.
É presumível que o primeiro detector Geiger-Muller especialmente
construído para uso em cirurgia radioguiada tenha sido o usado por William H.
Sweet em 1951
O primeiro relato do uso de uma sonda ou detector gama foi feito por
Harris e sua equipe do Oak Ridge Institute of Nuclear Studies Medical Hospital
em 1956.
A partir de 1994, foram criadas sondas dedicadas à detecção de radiação
+ β e, no ano 2000, RR Raylman sugeriu a criação de sondas de ação dupla,
isto é, para detecção de radiação + β ou γ, conforme a necessidade.
Todas as sondas descritas dão informações sonoras ou, num painel digital,
dão informações luminosas. A sondas que informam por meio de imagens chegam
após a invenção das câmeras de cintilação portáteis, logo foram batizadas como
o nome de “imaging probes” ou “sondas de imagens”. Francesco Scopinaro e
Alessandro Soluri apresentaram a primeira “imaging probe” no Mediterranean
Congress of Nuclear Medicine “Radonuclides for Lynph Nodes” em Chipre em 1996.
Essa câmera foi patenteada em 1997.
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NUCLEAR – A DESCOBERTA DA RADIOATIVIDADE = BECQUEREL = MARIE E PIERRE
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NUCLEAR– A NATUREZA DAS RADIAÇÕES α, β e γ
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NUCLEAR– O CONCEITO DE RADIOTRAÇADOR
A HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR - OS DETECTORES NA FASE DE 1896 A 1936
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