Prof. Dr. João Eduardo Irion
INTRODUÇÃO
A visão retrospectiva da história do uso das radiações em diagnóstico
mostra que a tecnologia começou a se incorporar na prática médica no início do
século XIX com as tentativas de visualização dos órgãos internos que deram
origem à endoscopia. Durante esse período, o progresso tecnológico que se incorporou
num ritmo equivalente a passo a passo ao diagnóstico e, no fim do século,
passou a avançar aos saltos a partir da descoberta dos raios X.
O uso do espectro visível no diagnóstico refere-se à endoscopia usada em
várias especialidades médicas. Dizem que o termo endoscopia foi criado por
Hipócrates, mas Antoine Jean Désormeaux foi quem usou pela primeira vez o termo
endoscópio.
A endoscopia, no seu início, explorou cavidades naturais como a boca, o
nariz, o ouvido, a uretra, a vagina, o ânus, dando origem à laringoscopia,
oftalmoscopia, esofagoscopia, gastroscopia, colonoscopia, rinoscopia,
broncoscopia, uretroscopia, cistoscopia e vaginoscopia. Posteriormente, a
endoscopia estendeu seu campo de ação e passou a explorar cavidades fechadas
mediante acessos cirúrgicos, como é o caso da laparoscopia, da toracoscopia, da
artoscopia e da encefaloscopia.
ANTECEDENTES
A tentativa de ver o interior do corpo remonta à antiguidade. No Talmude
Babilônico consta um aparelho fabricado com chumbo com ponta curva, o “siphopherot”
(sifão), utilizado para exame do útero. Atribui-se a Hipócrates a criação de um
espéculo anal. Nas ruínas de Pompeia foram encontrados espéculos para
realização da endoscopia. Mais recentemente, em 1567, Tulio Caessare Aranzi
descreveu em sua obra “Tumores Praeter Naturam” uma forma de iluminar
cavidades.
OS PRECURSORES DA ENDOSCOPIA
A endoscopia venceu obstáculos para chegar ao estágio atual. O primeiro
deles foi obter uma fonte luminosa adequada, outro foi desenvolver a tecnologia
de lentes e o terceiro foi superar a rigidez dos endoscópios pioneiros.
A unanimidade dos historiadores da medicina atribui ao alemão Philipp
Bozzini a primeira tentativa bem sucedida para a criação de um aparelho para
exame da bexiga, faringe e reto. O aparelho criado por Bozzini (1773-1809) em Viena,. no ano de 1805, recebeu o nome de
“Lichtleiter”, termo que significa “aparelho para guiar a luz”. Era uma cânula
com duas vias: uma conduzia a luz de uma chama de vela e a outra servia para
observar o interior do órgão examinado. Bozzini tornou público o invento em
1807, no artículo “Der Lichleiter”, formando a base das técnicas endoscópicas e
por isso ele é considerado um dos pioneiros da endoscopia.
Bozzini não usou seu aparelho em seres humanos porque o decano da Faculdade
de Medicina de Viena considerou seu uso uma temeridade e o proibiu.
Um segundo passo no uso da luz visível no diagnóstico foi dado por Herman
Ludwig Helmholtz que inventou, em 1851, o oftalmoscópio para exame do fundo de
olho.
Em 1877, Nitze produziu o primeiro cistoscópio munido de lentes e, em 1885,
o francês Antoine Jean Désarmeaux construiu um cistoscópio com um sistema
rudimentar de lentes e o batizou com o nome de endoscópio. Em 1854, Manoel
Garcia, médico espanhol, inventou o primeiro laringoscópio. Em 1868, o
professor alemão de Freiburg Adolph Kussmaul usou um cistoscópio de Désarmeaux
para examinar o estômago de um faquir engolidor de espada e, para chegar ao
estômago, usou um tubo metálico de 47 cm de comprimento e 1,3 cm de diâmetro e
assim marcou o início da história da gastroscopia.
Vinte e quatro anos depois da invenção da lâmpada por Edson, Tuttle, em
1903, fabricou o primeiro cistoscópio munido com luz elétrica.
HISTÓRICO DA ENDOSCOPIA DIGESTIVA
O desenvolvimento da endoscopia digestiva serve de baliza para o
acompanhamento das demais formas de endoscopia, porque a história dessa
especialidade pode ser tomada como parâmetro para a avaliação da evolução das
demais endoscopias.
Depois de Adolph Kussmaul, Max Nitze, no ano de 1879, em Viena, descreveu
o primeiro endoscópio munido de um grupo de lentes. Em 1881, Johan von Mikulicz
desenvolveu o primeiro gastroscópio rígido com iluminação distal após a
invenção, em 1879, da lâmpada de luz incandescente por Edson.
Os gastrocópios enfrentavam a limitação de sua rigidez até 1932 quando
Rudolph Schindler, de Munique, criou junto com Georg Wolf (um fabricante de
instrumentos de Erlanger) o endoscópio semiflexível contendo mais de 50 lentes.
Esse, depois de introduzido no estômago, era retificado para ajustar as lentes
permitindo a realização do exame. Esse gastroscópio foi substituído ainda em
1955, pelo Gastroflex, criado pelo francês Charles Debray, com maior
flexibilidade com diâmetro de 10 mm e com luz suficiente para a tomada de boas
fotografias.
Muito antes, em 1878, Lange e Meltzing, na Alemanha, fizeram sem sucesso
a primeira tentativa de criação de uma gastrocâmera. Somente em 1950 os
pesquisadores da Olympus e os médicos da Universidade de Tóquio superaram os
obstáculos e criaram a primeira gastrocâmera eficiente.
O avanço seguinte veio com o aparecimento da fibra ótica[1],
cuja apresentação aconteceu em janeiro de 1954, na revista Nature. Em 1957, em
Michigan, o Professor Basil Isaac Hirschowitz, um sul-africano naturalizado
americano, usou o protótipo de gastroscópio com fibra ótica para examinar o
próprio estômago. O aparelho foi lançado no mercado em 1960 e o primeiro
trabalho sobre o uso do endoscópio de fibra ótica foi publicado na Revista
Lancet, em agosto de 1963.
A endoscopia eletrônica (feita com videoendoscópios) começou a nascer nos
Laboratórios da Bell da AT&T, em 1969, quando Boyle e Smith inventaram o
CCD (charger-coupled semiconductor device). Dez anos depois, em 1979, os
engenheiros da empresa Welch Allyn criaram o endoscópio eletrônico e o
apresentaram no Congresso Asiático de Endoscopia do Pacífico, e logo após, a
empresa Olympus também apresentou seu próprio modelo. O vídeoendoscópio
permitiu melhor imagem, melhores fotos e vídeos, menor contaminação e a
possibilidade de avaliação das imagens simultaneamente, por mais de um
endoscopista.
A necessidade de explorar o intestino delgado, órgão com cerca de 5
metros de comprimento levou à fabricação do enteroscópio de duplo balão. O
primeiro deles, fabricado pela empresa Fujino, tinha 2 metros de comprimento.
Logo depois a Olympus apresentou um enteroscópio de um só balão.
O avanço final na endoscopia digestiva veio com o desenvolvimento das
cápsulas endoscópicas.
O uso de cápsulas no diagnóstico remonta a 1950 quando foi criada uma
cápsula para medir temperaturas e depois, em 1960, foi criada outra para medir
pH.
A invenção da cápsula endoscópica se deve à associação, em 1997, do
gatroenterologista inglês Paul Swain com o engenheiro eletrônico israelita
Gabriel Iddan da empresa Given Imaging. Eles inventaram uma pequena cápsula
para ser deglutida, montada com materiais especiais, equipada com miniaturas de
bateria, emissores de luz, câmera para captura de imagens, transmissores de
vídeo e circuitos eletrônicos com tecnologia de ponta para transmitir imagens a
serem gravadas num receptor colocado na cintura do paciente. Durante o trajeto
pelo tubo digestivo, do esôfago ao reto, a cápsula emite cerca de 60.000
imagens que ficam gravadas no receptor do qual são transferidas para visualização
e analise num computador.
Em 1997, Iddan deglutiu a primeira cápsula. No ano 2000, cápsulas foram deglutidas
por dez voluntários e nesse ano a revista Digest Disease Week publicou as
primeiras imagens do intestino delgado. A cápsula deu origem a novo tipo de
endoscopia, a capsuloendoscopia, que usa cápsulas especiais para avaliar o
esôfago, o estômago, o intestino delgado e o cólon.
A ENDOSCOPIA
DAS VIAS AÉREAS – DA LARINGOSCOPIA À BRONCOSCOPIA
Antes de
Bozznin, em 1743, M. Levret usou um espelho feito de prata polida para refletir
a luz do sol que usou para remover pólipos do nariz e da garganta.
Em 1854, Manoel Garcia, médico espanhol, inventou o primeiro
laringoscópio. Seu pai era um barítono e suas irmãs eram sopranos e os três
eram famosos na Europa. Manoel tentou sem êxito ser cantor e, como médico,
procurou em sua garganta a causa de seu fracasso. Para isso montou um sistema
de espelhos para examinar a própria garganta, criando em 1854 um laringoscópio.
Para estudar a voz, Garcia dissecava laringes de cães. Garcia não ficou famoso
como cantor, mas fez fama como fisiologista da voz. Em 1855, apresentou à Royal
Society de Londres um trabalho sobre fisiologia da voz humana, descrevendo a
ação da glote e dos mecanismos musculares capazes de modificar o timbre e a
intensidade da voz.
O médico Gustav Killian é considerado o criador da broncoscopia. Em 30 de
março de 1897, em Freiburg, na Alemanha, extraiu um osso de porco do brônquio de
um agricultor. Para isso usou um laringoscópio de Kirstein junto com o
esofagoscópio de Mikulicz– Rosenheim. Em 1898, no Congresso de Laringología, em
Heilderberg, Alemanha, ele comunicou o fato, chamando sua técnica de
“broncoscopia direta” que se difundiu por muitos países. Killian a seguir
aperfeiçoou o laringoscópio, criou um traqueoscópio, já com uma lâmpada distal
que passou a ser conhecido como traquescópio de Killian.
O desenvolvimento de fato da broncoscopia se deve ao médico
laringologista americano Chevalier Jackson, cujo trabalho e grande contribuição
bibliográfica foi a origem de uma escola sobre a técnica broncoscópica. Em 1907,
Jackson publicou seu primeiro livro “Tracheobronchoscopy, esophagoscopy and
bronchoscopy”, reeditado em 1914. Além de aperfeiçoar a técnica
endoscópica. ele melhorou os equipamentos.É de sua criação o broncoscópio autônomo
(assim chamado porque foi o primeiro a não necessitar de uso prévio de
laringoscópio). Esse aparelho era equipado com um sistema de lentes e uma
lâmpada distal. Chevalier Jakson não patenteou seus inventos para não limitar o
desenvolvimento da broncoscopia. Em 1916, foi nomeado Professor de Laringología
no Jefferson Medical College, onde implantou um programa de treinamento da técnica
broncoscópica. Um dos aperfeiçoamentos do broncoscópio se deve
a Edwin N. Broyles, discípulo de Chevalier Jackson, que criou aparelhos de
visão lateral com iluminação distal.
O passo seguinte no aperfeiçoamento do broncoscópio se deve ao Japonês
Shigeto Ikeda (1925-2001), o qual, junto a Haruhiko Machida, apresentou, em
1964, o primeiro fibrobroncoscópio, cujo sétimo modelo foi lançado no mercado
em 1967.
Em 1983, Ono e Ikeda e a companhia Ashai Pentax desenvolveram o videobroncoscópio,
equipado com uma câmera em sua extremidade e que permitia a gravação eletrônica
das imagens.
Em seu início, a broncoscopia fazia parte da otorrinolaringologia e
depois da fundação, em 1950, da Associação Internacional para Estudo dos Brônquios
(AIEB), passou a ser atribuição da pneumologia.
TORACOSCOPIA
A toracoscopia diagnóstica ou médica e a toracoscopia
cirúrgica nasceram ao mesmo tempo. Isso aconteceu no início do século XX, no
auge da luta contra a tuberculose quando, por acaso, foi descoberto que
cavernas pulmonares cicatrizavam espontaneamente em pacientes portadores de
pneumotórax. Em 1910, a observação desse fato levou a Hans Christiansen
Jacobeus, um médico interno do Hospital Serafimerlasarettet de Estocolmo, a
usar um cistoscópio para examinar, pela primeira vez, a cavidade pleural e
seccionar aderências pleurais causada por sequelas de tuberculose. Ele
descreveu o procedimento em um artigo publicado em 1911, intitulado “A
Possibilidade de se Realizar Cistoscopia no Exame de Cavidades Serosas” . Em
1915, Jacobeus criou o primeiro toracoscópio.
Em 1924, John Singer publicou o primeiro trabalho
científico sobre toracoscopia e, em 1928, Felix Cova publicou o “Atlas da
Toracoscopia”.
O uso da toracoscopia arrefeceu a partir de 1945 com a
introdução da estreptomicina no tratamento da tuberculose. Na década de
noventa, com o avanço da instrumentação, com melhores lentes, com o uso da
fibra ótica nos endoscópios e com o advento da vídeoendoscopia o método voltou
a evoluir rapidamente. Hoje a toracoscopia operatória se chama cirurgia
vídeoassistida e é realizada em blocos cirúrgicos, ficando o termo toracoscopia
reservado para os procedimentos diagnósticos realizáveis em ambientes
broncoscópios.
LAPAROSCOPIA
A laparoscopia diagnóstica precedeu a laparoscopia
cirúrgica.
O início da laparoscopia se deve ao cirurgião alemão de
Dresden Geog Kelling que, em 1901,realizou o que chamou de “celioscopia“,
técnica de enchimento com ar do abdômen de um cão vivo para inspecionar suas
vísceras com um cistoscópio de Nietze. No mesmo ano, Dimitri Ott, ginecologista
russo, realizou a “ventroscopia", usando um espelho frontal como fonte de
luz para examinar o interior do abdômen com um espéculo na parede abdominal. Em
1910, Hans Christian Jacobeus, do Hospital Serafimerlasarettet de Estocolmo,
procedeu ao que chamou de “laparoscopia", estudando a cavidade abdominal
de uma série de pacientes.
No ano seguinte, Bertran Bernhein fez a primeira
laparoscopia diagnóstica n os Estados Unidos.
O desenvolvimento da laparoscopia dependeu do
desenvolvimento de técnicas de pneumoperitôneo aperfeiçoadas por Raoul Palmer,
de Paris, em 1947 e pelo Professor Kurt Semm, ginecologista e engenheiro, de
Kiel, na Alemanha. Dependeu também da tecnologia como as lentes de visão
oblíqua desenvolvidas por H, Kalk em 1929 e, principalmente, pela introdução da
tecnologia de fibra ótica por Hopkins e Kapany na Inglaterra.
O primeiro caso de laparoscopia urológica diagnóstica
foi descrito em 1976 por Cortese e colaboradores que localizaram testículos
criptosquídicos abdominais bilaterais em um adulto. O desenvolvimento da
laparoscopia foi em parte retardado pelo aparecimento da tomografia axial
computadorizada e pela ecografia, porém o desenvolvimento da videolaparoscopia,
permitindo a visão do procedimento simultaneamente, por mais de um operador,
impulsionou o método tanto no diagnóstico como na terapêutica.
ARTROSCOPIA
A primeira artroscopia foi realizada em Tóquio pelo
Professor K. Takagi. Ele, na sua primeira experiência, usou um cistoscópio para
examinar um joelho e depois desenvolveu um aparelho que ele denominou de
artroscópio específico para o procedimento. Takagi aperfeiçoou o aparelho e, em
1932, conseguiu fotografias de artroscopia e em 1936 obteve imagens
cinematográficas e fotografias coloridas com o procedimento.
Eugen Bircher de Aarau na Suíça, em 1921, publicou o
resultado de 20 artroscopias usando um toracoscópio de Jacobeus. As
contribuições de Takagi e de Bircher propagaram a artoscopia em países de
língua inglesa e, em 1925, Philip H. Kreuscher apresentou à Sociedade Médica de
Illinois um relato sobre lesões de meniscos identificadas em artroscopias. A
seguir, o Dr. Michael Burmann do Hospital de Doenças Articulares de Nova Iorque
usou um instrumento criado por R. Wagner para artroscopias do tornozelo,
cotovelo e ombro.
Em 1957, o Dr. Masake Watabe, sucessor de Takagi
publicou o Atlas da Artroscopia e, em 1960, apresentou Artroscópio 21 que se
tornou o aparelho de excelência usado no procedimento por décadas.
SITES
CONSULTADOS EM JUNHO E JULHO DE 2013:
Postagens
anteriores:
HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO
DIAGNÓSTICO MÉDICO – ONDAS DE CHOQUE - RUÍDO E SOM - PERCUSSÃO E AUSCULTA.
HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNOSTICO MÉDICO = ONDAS DE CHOQUE - PULSO E PRESSÃO ARTERIAL.
Próxima Postagem:
HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNÓSTICO MÉDICO – ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO = RAIOS X
Nenhum comentário:
Postar um comentário