Prof. Dr. João Eduardo Irion
INTRODUÇÃO
A história do som na medicina também se perde no tempo porque a ausculta
dos órgãos internos era conhecida na antiguidade, e uma das primeiras referências
do uso do som na medicina se deve a Hipócrates que, em sua obra “De Morbis”,
(400 a.C.), refere-se à ausculta dizendo: “se
você escutar colocando o ouvido no peito...”
Mais recentemente a história registra as palavras proféticas do cientista inglês Robert Hooke (1653-1703) quando
antevê a importância da ausculta na medicina: "... eu fui capaz de ouvir claramente o batimento do coração humano... quem
sabe, pelos sons que os movimentos dos órgãos internos fazem, possamos
descobrir as tarefas efetuadas em vários escritórios e lojas do corpo humano, e
daí reconhecer que instrumento ou máquina está com defeito.”
A clínica médica moderna começou a se estruturar na França no século XIX,
graças ao trabalho de três médicos que vou chamar “trio de ouro”, formado por
Corvisart que fundamentou a clínica médica, Laënnec que modificou a ausculta
criando o estetoscópio e Auenbrugger o criador da percussão no exame físico do
paciente.
Jean Nicolas Corvisart (1755-1821) nasceu em Dricurt, França e era filho
de uma família tradicional. Seu pai, procurador da coroa, queria que se
dedicasse à advocacia e lhe cortou o sustento quando Jean começou estudar
medicina. Corvisart trabalhou como bedel de anatomia e também como vendedor de
livros para custear seus estudos. Titulou-se médico antes de completar 18 anos,
em 14 de novembro de 1782. Ao procurar trabalho como médico no Hôpital de Paroisses
(Hospital s Paróquias), fundado pela Sra. Necker, esposa do Ministro das Finanças
de Louis XVI, não foi aceito porque se recusou a usar peruca durante o trabalho.
Contentou-se, então, a trabalhar em Saint Sulpice. Com sua grade capacidade de
trabalho e seu poder de observação, tornou-se professor e mais tarde ganhou a
confiança de Napoleão Bonaparte, tornando-se seu médico. Napoleão dizia: “eu não acredito na medicina, mas acredito em
Corvisart”.
Corvisart estruturou a clínica médica e publicou livros de sua autoria. Entre
eles: “Aphorismes sur la consaissance et le
caractère des fievres”, 1797 “Éloge de Debois de Rochefort”, 1789, “Essai sur les maladies et les lésions
organiques du couer et des gros vaisseaux”, editado em 1806 e traduzido para várias línguas.
Ele traduziu para o francês e publicou o livro de Leopold Auenbrugger sobre
percussão, cujo original fora escrito em latim e introduziu a percussão no exame
clínico do paciente. A tradução recebeu o título “Nouvelle méthode pour reconnâitre lês
maladies internes de la poitrine par la percussion de cette cavité”, 1808.
Corvisart foi professor de médicos que se destacaram na história da
Medicina, entre eles Laënec, Dupuitren e Bicha.
A PERCUSSÃO
A percussão foi um método médico usando o som para o exame físico criado
pelo médico, músico e compositor Josef Leopold Auenbrugger von Auenbrugg
(1.722-1.809), nascido em Graz, na Áustria.
Auenbrugger trabalhou, sem remuneração, como médico no Hospital Militar
de Viena onde, lembrando que seu pai percutia os barris para ver o nível do vinho
remanescente e usando seus conhecimentos musicais, desenvolveu a técnica de
percussão. Em 1761, Auenbrugger publicou seu trabalho num opúsculo em latim com
o título “Inventum novum ex percussione thoracis humani ut signo abstrusos interni
pectoris morbos detegendi”. O livro, por estar escrito em latim, não
teve muita divulgação, embora muitos médicos passassem a utilizar a percussão
na prática clínica. Somente depois que Corvisart publicou o livro traduzido
para o francês, a percussão entrou definitivamente na prática clínica.
A AUSCULTA E O ESTETOSCÓPIO
A ausculta direta, realizada encostando-se o ouvido no corpo do paciente
já estava consagrada na prática clínica no século XIX, mas deu lugar à ausculta
indireta nos meados do Século XIX depois da invenção do estetoscópio.
O inventor do estetoscópio foi o médico francês de origem céltica nascido
na cidade de Quimper em 17 de fevereiro de 1781e falecido em 13 de agosto de
1826 que, no batismo, recebeu o nome de René, em homenagem ao pai, Téophile em
homenagem ao avô, Hyacinthe em homenagem à tia-avó. René, de origem bretão,
tinha o sobrenome de Laënnec, palavra que profeticamente significa “pessoa instruída”. Aos cinco anos, o
menino René Théophile ficou órfão e foi morar com seu tio Guilhaume, o Reitor
da Faculdade de Medicina da Universidade de Nantes, onde estudou medicina tendo
Corvisart como um de seus mestres.
A ausculta direta tinha inconveniente – na classe alta era dificultada
pelo pudor que impedia que as mulheres tirassem as roupas e na classe baixa era
repugnante para o médico no hospital encostar o ouvido no tórax de pessoa que
não tomava banho. Segundo Laënnec “... a
ausculta direta de encostar o ouvido no tórax é desconfortável, tanto para o
medico como para o paciente e provoca repugnância que torna impraticável no
hospital. É inconveniente no exame de mulheres devido ao obstáculo físico que
as mamas podem representar...”
A invenção do estetoscópio ocorreu quando Laënnec precisou atender uma
senhora obesa em trabalho de parto. Ele narra assim o episódio:... “neste ano de 1816 eu fui procurado por uma
jovem senhora em trabalho de parto com sintomas de cardiopatia. A possibilidade
de percussão e ausculta cardíaca estava prejudicada pelo grau de obesidade.
Tive uma ideia. Ocorreu-me que um som
se amplifica quando transmitido através de um sólido. Lembrei-me que as
crianças costumam arranhar com um alfinete uma das extremidades de um pedaço de
madeira e ouvir o ruído nitidamente transmitido na outra. Imediatamente enrolei
folhas de papel em forma de cilindro bem apertado, encostei uma ponta no tórax
da gestante, me inclinei e apoiei o meu ouvido na outra. Pude perceber a ação
do coração de uma maneira muito mais clara e distinta do que fora capaz até
então pela ausculta direta.”
A partir da descoberta, Laënnec empenhou-se em aperfeiçoar o instrumento
que batizou com o nome de “estetoscópio”
palavra formada pelo ante-positivo grego “stethos”
que significa peito e pelo pós-positivo grego “scopein” cujo significado é exame.
O primeiro estetoscópio criado por Laënnec era um cilindro de madeira com
33 cm de comprimento por 5 cm de diâmetro. No aparelho original, o cilindro estava
dividido em duas partes para serem acopladas quando em uso a fim de “facilitar seu transporte” como ele mesmo
declarou.
Laënec publicou sua experiência num livro com um título longo: “De L’Auscultation Médiate ou Traité du
Diagnostic des Maladies des poumons et du coeur, fondé principalement sur ce
nouveau moyen d’exploration”. Par R.T.H. Laënnec, D.M.P., Médecin de
l’Hôspital Necker, Médecin honoraire des Dispensaires, Membre de la Société de
la Faculté de Médecine de Paris et de plusieurs autres sociétés nationales.
Pouvoir explorer est, à mon vis, une grande partie de l’art”.
No livro, havia um capítulo com instruções para a construção de um estetoscópio
e vendia um estetoscópio com um acréscimo de 2.500 Francos.
O estetoscópio se tornou, além um instrumento médico, um símbolo que
identifica os médicos.
A cronologia temporal da evolução do estetoscópio é a seguinte:
MODELO MONOAURICULAR:
1– O primeiro modelo criado por Laënnec
compunha-se da anexação às extremidades uma peça torácica e outra auricular;
2- Em 1828, Pierre-Adolpho Piorry adelgaçou o
tubo à espessura de um dedo e introduziu na extremidade torácica, uma peça em
forma de tuba, e na auricular, uma oliva adaptável ao ouvido;
3- Em 1876, Pinard criou o modelo de metal
monoauricular ainda em uso, para fins obstétricos.
MODELO BIAURICULAR
1 – A invenção do modelo bi-auricular é
incerta
2 – Em 1885, George P. Cammann inovou ao
construir o tubo com material flexível
3 – Em 1937 William J. Kerr criou o estetoscópio
diferencial, o simbalofone. Nesse, a conexão em Y não existe e foi substituída
por duas peças torácicas e dois tubos distais em paralelo para a detecção da
audição estereofônica.
4- A campânula original foi substituída por
uma membrana
O museu do Instituto de Patologia
das Forças Armadas em Washington possui uma coleção da maioria dos modelos
construídos de estetoscópios, incluindo a réplica, tanto do cilindro de papel
quanto do protótipo de madeira de Laënnec.
BIBLIOGRAFIA:
Sites consultados na internet em
julho de 2013:
http://www.historiadelamedicina.org/corvisart.html
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