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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A TERCEIRA FASE DA HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR – O CINTILÓGRAFO LINEAR – A CÂMERA DE CINTILAÇÃO - A SPECT

Prof. Dr. João Eduardo Irion
Faculdade de Medicina
Universidade Federal de Santa Maria – RS – BR
Médico Nuclear
Serviço de Medicina Nuclear de Santa Maria
jirion @terra.com.br
joaoeduirion.blogspot.com.br


A CLÍNICA

Na história da Medicina Nuclear que estamos narrando consideramos como terceira fase o período de evolução da especialidade compreendido entre 1950 e os dias atuais. Nas postagens anteriores, vimos que a especialidade começou com a terapia, e veremos a seguir como ela ampliou seu espectro de atuação para o diagnóstico clínico, para o diagnóstico laboratorial e para a cirurgia.
Cinco décadas depois da descoberta da radioatividade, a especialidade começou a usar os radiotraçadores na clínica com procedimento classificados como de “não-imagem”. As primeiras tentativas de usar traçadores com fins diagnóstico foram feitas medindo a radioatividade fora do corpo e oriunda de nuclídeos administrados aos pacientes com contadores Geiger-Müller, depois substituídos pela sondas de cintilação,.
Nos meados dos anos 40, começaram as tentativas de usar o iodo-131 para diagnosticar os nódulos de tireóide por meio de medidas externas. O método de medida foi criado por Bauer e consistia, depois da administração endovenosa de 200 mCi de 131 I, em posteriormente, medir com um contador Geiger-Müller ponto a ponto, orientada por uma grade com 400 posições de contagem, a radioatividade sobre a tireóide. O processo durava hora e meia, era trabalhoso e cansativo para o operador e para o paciente. Outro inconveniente do procedimento era a alta dose de iodo radioativo necessária, razão pela qual o método só era usado em pacientes portadores de câncer tireóideo.
Benedict Cassem da Universidade da Califórnia em Los Angeles melhorou o sistema, criando um equipamento mecânico capaz de realizar medidas automáticas e aumentou a sensibilidade do detector substituindo o contador G-M por contador eletrônico, composto de um cristal de tungstato de cálcio conectado a um tubo fotomultiplicador IP21, blindados com um colimador de chumbo de um canal.
A sonda (assim definido o detector e seu colimador) usada por Benedict Cassen e sua equipe tinha maior eficiência para a radiação γ do I-131 e maior resolução que os contadores G-M e com ela,  na primeira experiência, foi facilmente localizada a tireóide de um coelho no qual fora injetado 10 μCi de I-131.
Benedict Cassem aumentou a sensibilidade do método, usando um tipo novo e mais aperfeiçoado de válvula fotomultiplicadora, conectada com um cristal de antraceno, que tornou possível medir a captação do iodo na tireóide em 6 e 24 horas depois da administração de apenas 1μ de I-131
A partir daí começaram as experiências em humanos realizadas no Los Angeles Veterans Admnistration Hospital para localizar a tireóide, medir seu tamanho e o grau de captação do iodo radioativo no órgão como um todo e nos nódulos tireóideos.

O CINTILÓGRAFO LINEAR E A IMAGEM EM MEDICINA NUCLEAR

Para evitar os inconvenientes do processo manual de medida, Benedict Cassen e Lawrence Curtis da Universidade da Califórnia automatizaram as medidas com a criação do primeiro cintilógrafo linear, capaz de gerar a imagem da distribuição do iodo radioativo da tireóide e, posteriormente, a imagem de outros órgãos, usando iodo e ou outros radionuclídeos.
A invenção do cintilógrafo linear por Benedict Cassem foi o evento revolucionário que ampliou o campo de ação da Medicina Nuclear trazendo para ela as imagens, não apenas do tipo anatômico macroscópico, mas expressando também a função na dimensão molecular.
As imagens geradas pelo aparelho receberam o nome de cintilografias para relacioná-las com as cintilações ocorridas no cristal do detector e o equipamento passou a ser chamado, inicialmente, de cintilógrafo e, mais tarde, de cintilógrafo linear para distingui-lo da câmera de cintilação.
O primeiro cintilógrafo compunha-se de três partes. A primeira parte era o sistema detector, formado por um cristal de tungstato de cálcio de pequeno diâmetro conectado a uma válvula fotomultiplicadora, ambos protegidos por um colimador cilíndrico, de paredes de chumbo com um só canal e que era reto.
O segundo componente era o sistema de registro do tipo eletromecânico de percussão, composto de uma bobina de núcleo móvel para acionar a percussão de um estilete (de 3 mm de largura) sobre uma fita com tinta negra, imprimindo marcas em um papel.
O terceiro componente era um motor que movia, simultaneamente, o sistema de detecção e o papel, ambos unidos ao motor por um braço. O motor fazia o conjunto detector-papel executar um novo tipo de movimento que foi chamado “de movimento de varredura” cujo passo era igual à largura do estilete. O detector varria a área a examinar no paciente e o papel deslocava-se sob o sistema de inscrição. Note-se que, nesse primeiro modelo, o papel era quem se movia enquanto o sistema de inscrição permanecia parado. Os cintilógrafos das gerações seguintes foram modificados e neles o sistema de detecção e o sistema de inscrição passaram a se mover unidos pelo mesmo braço, enquanto agora era o papel que permanecia estático.
Em 1950, Benedict Cassen e Lawrence Curtis apresentaram o primeiro relatório sobre a invenção do cintilógrafo linear à Universidade da Califórnia. Logo a seguir a revista “Nature” publicou um artigo sobre o novo aparelho e o ilustrou com a primeira cintilografia da tireóide de um ser humano.
O primeiro cintilógrafo funcionou tão bem que permaneceu em uso por três anos e meio no Los Angeles Veteran Adminisstration  Hospital.
                                                            
                                                     Ilustração 1 - Benedict Cassen

Mais tarde outras pessoas, além de Cassen, reivindicaram a precedência da invenção do cintilógrafo linear, entre eles Corbertt e Honour que, em 1951, usaram um aparelho com um tubo G-M focado, e Mayneord e Newbery que, em 1952, criaram um sistema de gravação de imagem usando um detector G-M.
Ilustração 2 - Cintilografia linear da tireóide com nódulo frio na face lateral do corpo do lobo direito - Imagem do Serviço de Medicina Nuclear de Santa Maria.

No ano de 1950, Lawrence Curtis e Clifton Reed deixaram seus empregos na Universidade da Califórnia para fundar a R. C. Scientifc Instrumentes, a primeira empresa que fabricou cintilógrafos com o nome comercial de “Scintinscanner”.
Ilustração 2 - Cintilografia linear da tireóide de um  caso de bócio multinodular - Imagem do Serviço de Medicina Nuclear de Santa Maria.
Logo começou o aperfeiçoamento do cintilógrafo linear e a primeira modificação consistiu na troca da blindagem de chumbo por blindagem de tungstênio.
Embora soubesse que os cristais de iodeto de sódio eram mais sensíveis aos raios γ do iodo-131 do que os cristais de tungstato de cálcio, Cassem não os utilizou porque cristais selados de iodeto de sódio de grande diâmetro não eram fabricados na época, e os últimos  foram incorporados aos cintilógrafos a partir de 1951, depois que a Linde Air Products Co. iniciou sua fabricação.
Ilustração 2 - Cintilografia linear da tireóide para controle pós tireoidectomia mostrando restos de tecido tireoideo e adenopatia cervical à direita - Imagem do Serviço de Medicina Nuclear de Santa Maria.
Em 1952, o Professor Robert Newell projetou para uso no equipamento um colimador multicanal (que foi usinado em tungstênio por Francis et al.). O colimador multicanal e os cristais mais sensíveis e de maior tamanho aumentaram a sensibilidade do aparelho, permitindo redução das doses de radiofármacos utilizados. A melhor qualidade das imagens e a redução do tempo de varredura consagraram o cintilógrafo como ferramenta para o diagnóstico.
Em 1953, David Kuhl criou um sistema para o cintilógrafo registrar imagens em filme radiográfico, usando, para esse fim, uma fonte de luz colimada e modulada. O dispositivo luminoso eliminou os inconvenientes da inércia dos sistemas eletromecânicos de gravação. A partir da invenção de Kuhl, os cintilógrafos passaram a ser fabricados com os dois sistemas de registros de imagens, o fotográfico e o mecânico.
Em 1963, J. R Mallard e G. J Hine, trabalhando de forma independente um do outro, criaram a cintilografia em cores. O novo sistema, funcionando em paralelo com o circuito eletromecânico de gravação, usava um segundo circuito eletromecânico para modular a cor das marcas impressas por meio de uma fita colorida,. Nele as variações de concentração do radioisótopo correspondiam às cores, num gradiente iniciado na cor vermelha (para a maior intensidade da radioatividade), passando na escala do laranja, verde, azul, cinza e negro (para essa última cor expressar a menor intensidade da radioatividade).
Em 1953, Gordon L. Brownell e Willian H. Sweet do Massachusetts General Hospital criaram um cintilógrafo para localizar tumores cerebrais com isótopos emissores de pósitrons. O protótipo do aparelho usava dois detectores eletrônicos de cintilação em posições opostas, montados sobre uma plataforma móvel. Esse aparelho foi usado para examinar pacientes com tumores cerebrais nos quais era administrado arsênico-74. A cabeça do paciente era colocada entre os detectores e o aparelho movia-se para registrar a distribuição regional do radiotraçador. Os resultados impressos eram chamados de “positroneletroencefalogramas” ou “assimetrogamagramas”. O sistema foi usado entre 1953 a 1962, em mais de 3.500 pacientes, porém a qualidade baixa das imagens, a alta dose de radiação imposta aos pacientes e a dificuldade de obtenção do arsênico-74 prejudicaram a aceitação do aparelho.
                      
                          Ilustração 2 – “positroneletroencefalogramas” ou “assimetrogamagramas

Em 1957, a invenção da câmera de cintilação fez prever que os cintilógrafos mecânicos tornar-se-iam obsoletos, mas. mesmo assim, eles foram usados nos vinte anos seguintes após sua invenção, tendo o pico de vendas no ano de 1972. Os cintilógrafos permaneceram em uso graças à criação de novos radiofármacos que ampliaram seu campo de ação da cintilografia para outros órgãos além da tireóide, e graças às campanhas de marketing de  seus fabricantes.
Houve um longo período de convivência cintilógrafo/câmeras. Nessa época a maioria dos serviços de Medicina Nuclear contava simultaneamente com o cintilógrafo, geralmente dedicado à cintilografia da tireóide e com a câmera de cintilação usada para a cintilografia de outros órgãos. O uso dos cintilógrafos praticamente cessou nos anos 80, quando foram definitivamente substituídos pelas câmeras de cintilação.
Em 1991, a Educational and Research Foudation da Society of Nuclear Medicine recebeu da herança de Mary Cassen, viúva de Benedict Cassem, 1,25 milhões de dólares para instituir o Prêmio Benedict Cassen de 25.000 dólares anuais, destinado a premiar quem se destacasse na pesquisa em Medicina Nuclear. A mesma doação foi destinada à criação da Bolsa Benedict Cassen Post-Doutoral de 25.000 dólares anuais para atrair novos talentos para o setor.

RADIOFÁRMACOS E INÍCIO DA RADIOFARMÁCIA

Costuma-se dividir a história dos radiofármacos em Fase I – ou Fase Pré-Tecnécio e Fase II – ou Fase Pós-Tecnécio. A Fase I começou em 14 de junho de 1945 com um artigo do Oak Ridge National Laboratories na revista Science anunciando que o Governo dos Estados Unidos punha radionuclídeos à disposição do setor privado. Essa decisão foi seguida logo depois pelo Brookhaven National Laboratories. A Fase II, ou Fase Pós-Tecnécio, começou em 1960, quando foi inventado o gerador de tecnécio.
Os primeiros radionuclídeos fornecidos pelos reatores e cíclotrons não cumpriam requisitos necessários para uso humano porque, entre outros fatores adversos, eles continham impurezas resultantes do processo de bombardeio, não eram esterilizados e nem estavam livres de agentes pirogênicos. Em 1948, a Abbott Laboratories decidiu comprar a produção dos radionuclídeos e transformá-los em radiofármacos, isto é, em medicamentos preparados para uso humano.
Em 1951, o iodeto de sódio marcado com iodo-131 tornou-se o primeiro radiofármaco aprovado pela U. S. Food and Drug Administration. Nesse ano a Abbott construiu uma unidade para a produção do radiofármaco iodeto de sódio marcado com I-131 e criou um sistema para, no mesmo dia, distribuí-lo por todo território dos Estados Unidos. O Laboratório Abbott tornou-se a primeira empresa produtora de radiofármaco no mundo, começando as vendas de radioiodo em 1950. Em 1951 a Abott vendeu, pela primeira vez, soroalbumina humana (RISA) marcada com Iodo-131. Cinco anos depois entraram na Radiofarmácia a Squibb Co. e a Nuclear Consultants Corporation. Em 1965 os maiores fornecedores eram o Abbott, Squibb e Mallinkdrodt.

A CINTILOGRAFIA ALÉM DA IMAGEM DA TIREÓIDE

A invenção do cintilógrafo linear estimulou a obtenção de cintilografias de outros órgãos e sistemas. Como somente a tireóide e o esqueleto têm a propriedade natural de acumular seletivamente radionuclídeos, a pesquisa ampliou o campo de ação da cintilografia, utilizando outros nuclídeos e outras propriedades de órgãos, tecidos ou sistema para captar eletivamente moléculas, substâncias ou elementos. As técnicas desenvolvidas para gerar a captação seletiva de radiofármacos compreenderam os processos baseados na troca iônica, na troca heteroiônica, na fagocitose, no sequestro celular, na microembolia, em trocas metabólicas, na secreção de substâncias por órgãos como o fígado e o rim, nas injeções intravascular, intracavitária e intratumoral, no transporte linfático, na inalação, nas trocas gasosas, nas reações imunológicas, na quimioadsorção, e outras.
Inicialmente, o nuclídeo de eleição para marcar substâncias era o radioiodo, mas também foram usados outros radionuclídeos para o mesmo fim. Em 1965, estavam em uso, entre outros, o ouro-198, o mercúrio-197 e o mercúrio-203 (marcando clomerodrin), o cromo-51 (para marcar cromato), o selênio-75 (para marcar selenometinonia), o ferro-59 (marcando cromato e citrato), e o estrôncio-85 (para marcar nitrato).
A tabela a seguir é referente à Fase Pré-Tecnécio dos radiofármacos. Embora seja incompleta, ela relaciona os dados referentes às principais substâncias marcadas.

ANO
RADIOFÁRMACO
AUTOR
ÓRGÃO ALVO
Inicio dos anos 50
Albumina humana 131I
Allen ET al.
Tumores cerebrais
Idem
Ouro coloidal 198Au
Yuhl et al
Fígado (SRE)
1953
Arsênico 74As -pósitrons
Browell &Sweet
Tumores cerebrais
1955
Rosa bengala
Taplin et al
Vias biliares
1958
Albumina humana desnaturada pelo calor 131I
Benecerraf et al
Fígado (SRE)
1968
Albumina humana 131I
Rejali et al
Pool sanguíneo
1960
Neo-hidrina  293Hg
McAfee & Wagner
Rim
1960
Neo-hidrina 203Hg
Blau&Bender
Cérebro
1960
Glóbulos vermelhos alterados 51Cr
Johnson et al
Baço
1960
Hipuran 131I
Tubis ET al
Rim – renograma
1962
seeleniometionina 75 Se
Blau & bender
Pâncreas
1961-1963
47Ca 85Sr,18Fl
Repectivamene Corey et al, Fleming et al e Blau et al
Esqueleto
1963
Macro-agregado de albumina humana
Taplin et al
Pulmão – perfusão

A CÂMERA DE CINTILAÇÃO

As cintilografias lineares sofriam de duas principais limitações. A primeira era imposta pelo movimento mecânico linear do aparelho; a segunda relacionava-se com o fato de que o registro das radiações estava limitado ao campo de visão dos colimadores, desperdiçando as radiações emitidas fora da área de colimação. Essas limitações foram superadas com a invenção da câmera de cintilação por Hal Anger, quando trabalhava no Donner Laboratory de Berkeley.


                                                                  Ilustração 3 - Hal Anger

O protótipo da câmera de cintilação era uma “câmera estenopeica” (palavra composta do antepositivo grego stenós que significa estreito e do pós-positivo grego opsis que significa olho). As câmeras estenopeicas já eram conhecidas desde os primórdios do estudo da luz e da fotografia. São câmeras sem lentes nas quais a radiação atravessa um pequeno buraco (pinhole em inglês) para formar uma imagem invertida no plano oposto à abertura.
Anger usou no protótipo da câmera de cintilação um colimador pinhole em cuja base colocou um cristal de iodeto de sódio ativado por tálio com 4 polegadas de diâmetro e 5/6 polegadas de espessura. A imagem da distribuição de um radiofármaco no protótipo era registrada num filme ou num papel fotográfico posto em contacto com a superfície externa do cristal que era sensibilizado pela cintilações. A desvantagem desse primeiro aparelho era o longo tempo necessário para sensibilizar o filme (pelo menos uma hora), mas tinha a virtude da registrar a imagem de um órgão por inteiro.
A primeira comunicação do uso in vivo da câmera de cintilação foi publicada na Revista Nature em 1952, num artigo ilustrado com a imagem de uma metástase próxima à superfície da pele e obtida com I-131.
Cabe aqui destacar que, se o cintilógrafo marcou a entrada da imagem na Medicina Nuclear, a rapidez das imagens obtidas na câmera de cintilação é o marco da entrada dos estudos dinâmicos em Medicina Nuclear.
Em 1954, Anger fez os primeiros aperfeiçoamentos na câmera e os apresentou no University of Califórnia Radiation Laboratory em Berkeley CA. O modelo definitivo do aparelho foi publicado em 1957 no artigo intitulado “A new instrument for mapping gamma-ray emitters”.
Nessa versão a câmera tinha um  cristal de 4 polegadas sobre o qual estavam acopladas sete válvulas fotomultiplicadoras, sendo que seis dos tubos estavam dispostos em hexágono e o sétimo ocupava posição central do conjunto. Nessa disposição das válvulas, a luz das cintilações de uma radiação gama absorvida era distribuída pelos diversos tubos e, pela “lógica Anger” ficava registrada a posição de cada evento no cristal, a partir do qual o aparelho por um processo analógico criava a imagem cintilográfica.
                      
    Ilu stração 4 - esquema da cãmera com  colimador pínhole e válvulas fotomultiplicadoras.

Nos modelos iniciais havia a desvantagem de usar um cristal de pequeno diâmetro e de pequena espessura com baixa eficiência para a detectar a radiação gama do iodo-131 (o nuclídeo de uso universal na época) e assim, a câmera só era usada em exames de pacientes que recebessem doses terapêuticas do radioisótopo.
Anger publicou novamente seus achados no artigo “Sintilaltion Câmera” na Review of Scintific Instruments em 1958. A câmera foi apresentada em junho de 1958, na reunião anual da Society of Nuclear Medicine e, depois, no fim do ano, à reunião da American Medical Association. A invenção foi patenteada também no ano de 1958.
Em 1962, Anger montou uma câmera com cristal de 11 polegadas.
Ao mesmo tempo em que despertou o interesse de alguns, outros questionavam a utilidade da câmera. A maioria dos fabricantes de equipamentos médicos duvidava da viabilidade do produto e de sua utilidade em Medicina Nuclear, devido à baixa sensibilidade para a radiação γ do I-131, mas John Kurantz, fundador da Nuclear-Chicago Corp., não teve dúvidas e iniciou a fabricação da câmera. O primeiro equipamento fabricado tinha um cristal de oito polegadas e 19 fotomultiplicadoras e foi vendido para o Ohio State University Hospital em 1962 para que o médico William Myers que era entusiasta do aparelho (posteriormente historiador da SNM) o usasse em pesquisas com pequenos animais. Essa câmera encontra-se hoje no Smithsonian Institution.
Entre os fatores que limitavam o uso da câmera estava a tendência natural das pessoas resistirem à mudança, o custo do equipamento, a pouca eficiência da câmera para a radiação γ do iodo-131, além da intensa campanha de marketing dos fabricantes de cintilógrafos lineares em favor de seus produtos. Uma pesquisa do Council of American Pathologists em 1973 (15 anos depois da invenção da câmera) mostrou que a metade dos que responderam à enquete, continuavam a usar o cintilógrafo embora também possuíssem câmeras de cintilação. Esse panorama perdurou até os anos 80 quando o uso do tecnécio-99m (cuja meia vida e cuja radiação γ se ajustavam à câmera) foram os fatores decisivos para a superação dos cintilógrafos.
                                 
                                         Ilustração 5 - cristal e válvula fotomultiplicadoras em uma sonda.

Em 1959, Anger baseado no princípio da detecção por coincidência inventou uma câmera de pósitrons. Em 1963, Anger e Alexandre Gottschalk, usando o 68 Ga (emissor de +β e com meia-vida de 68 minutos), publicaram o uso clínico desse aparelho no Journal of Nuclear Medicine num trabalho versando sobre a localização de tumor cerebral com a câmera de pósitrons. Também com a câmera de pósitrons, Donald van Dyke, fisiologista e pesquisador, usou o 32Fe e o 18 F nas pesquisas da cinética do ferro, na determinação do fluxo sanguíneo e na distribuição medular do ferro em várias doenças.

HISTÓRIA DA SPECT
O acrômio SPECT, composto da iniciais da expressão em inglês: “SinglePhoton Emission tomography”, foi cunhado em 1978 por Ronald Jack Jaszcszak do Duke University Medical Center, em Durham.
A invenção da SPECT levou o médico David E Kuhl
e o engenheiro Roy Evans da Universidade da Pensilvânia a distinguirem a tomografia com raios-X da tomografia com radionuclídeos, classificando a primeira como tomografia por transmissão e a segunda como tomografia por emissão.
                                                       
                                                           Ilustração 6 - David E Kuhl

A história da SPECT pode ser sistematizada em quatro momentos: a tomografia longitudinal, a tomografia transaxial, a tomografia com câmeras Anger e a tomografia por emissão com anéis estacionários de cristais.
A chegada da imagem na Medicina Nuclear levou, a exemplo da radiologia, para a busca da tomografia radioisotópica. Em 1965, Crandall e Cassen inventaram um scanner com detectores para efetuar tomografia longitudinal por emissão. Em 1969, foi a vez de Anger que construiu um tomógrafo longitudinal que usava uma câmera de cintilação. Além dos pesquisadores citados, também Gerd Muehllehner descreveu, em 1970, um tomógrafo linear por emissão.
Todas as tentativas usaram os princípios e padeceram das limitações da tomografia longitudinal com raios-X, mas mesmo assim o scanner tomográfico de Anger foi vendido por vários anos com o nome de Pho-Com”, pela Searle Radiographics.
No início dos anos 1960, o médico David Kuhl, considerado o “pai da tomografia transaxial” e o engenheiro Roy Edwards iniciaram pesquisas sobre tomografia longitudinal e tomografia transversal por emissão. Eles foram os primeiros que criaram tomógrafos transversais para uso com radionuclídeos. O primeiro aparelho foi construído em 1963 e recebeu a sigla MARK I. Esse aparelho era formado por dois detectores de cintilação que descreviam um movimento de translação e rotação em torno da área de interesse. A última versão do equipamento foi o MARK IV, um aparelho que ainda usava tecnologia analógica.
Kuhl e colaboradores começaram usando os tomógrafos para mapear fluxo sanguíneo em cérebros de animais e para localizar tumores cerebrais e acidentes vasculares em pessoas. Em 1965, Kuhl realizou o primeiro SPECT de tórax de um paciente.
No fim dos anos 60 e início da década de 70, o grupo de pesquisadores de John Mallard da Universidade de Aberdeen criou outra versão de tomografia de emissão que tornou-se conhecida com o nome de “Aberdeen Section Scanner”. Esse equipamento foi o primeiro a usar tecnologia digital. Por alguns anos, o Aberdeen Secton Scannerr foi comercializado pela companhia J. & P Ltd.
Nessa época, Patten, Brill e colaboradores também criaram outro tipo de scanner tomográfico que usava um conjunto de oito detectores e que veio a inspirar a criação do tomógrafo de detectores múltiplos por Stoddart and Stoddart em 1979.
Em 1965, Paul Harper e sua equipe da Universidade de Chicago foram os primeiros a usar a câmera de Anger descrevendo um movimento de rotação em torno do objeto-alvo para realizar a tomografia transaxial. Em 1968, Gerd Muehllehner mudou o sistema e usou uma cadeira rotatória colocada frente a uma câmera de cintilação estacionária. A ideia da cadeira rotatória também foi pesquisada por Tom Budinger, Grant Gullberg and Ron Huesman.
Trabalhando de forma independente, John Keyes Jr e Ronald J Jaszczak criaram um sistema de SPECT usado uma câmera de cintilação montada num gantry para rodar em torno de um paciente deitado. Eles apresentaram seus resultados na reunião da SNM e os publicaram no Journal of Nuclear Medicine em 1976. A partir daí começaram os aperfeiçoamentos dos hardwares e dos softwares dos tomógrafos de emissão para a chegada aos modelos atuais.
No fim dos anos 1970 e durante os anos 1980, Les Rogers e a equipe da Universidade de Michigan criaram vários tomógrafos usando detectores fixos de NaI(Tl) cuja última versão (1988) chamou-se SPRINT II. Também em 1988, Genna e Smith da Digital Scintigraphics Inc. criaram um scanner para SPECT cerebral baseado num anel de cristais estacionários e um colimador rotativo que recebeu o nome de ASPECT.

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A HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR– HEVESY E O CONCEITO DE RADIOTRAÇADOR = A EXPERIÊNCIA DE BLUMGART = A TERAPIA COM RADIOISÓTOPOS NATURAIS
A HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR- A TERPIA COM ISÓTOPOS ARTIFICIAIS- A MEDICINA ATÔMICA E A MEDICINA NUCLEAR – OS ISÓTOPOS DO IODO- OS DETECTORES ELETRÔNICOS DE CINTILAÇÃO

 

Próxima postagem:

               
O RADIOIMUNOENSAIO – O GERDOR DE TECNPECIO




[1] SPECT refere-se a tomografia, portanto, em português uma palavra feminina. 

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