A FOTOGRAFIA E A
RADIOLOGIA
Professor Dr. João Eduardo Irion
Na época da
descoberta dos raios X, a fotografia era uma técnica em desenvolvimento e
praticada quase como um hobby. O resumo da história da criação e da evolução da
técnica fotográfica faz parte desta exposição porque a fotografia integra a
história da radiologia (e também dos demais procedimentos de diagnóstico por
imagens). Para a radiografia se impor como método de exame foi preciso vencer a
tendência inicial de se usar a fluoroscopia como procedimento principal porque
essa última técnica não exigia conhecimentos especializados e era fácil de
executar, enquanto, para a radiografia, o longo tempo de exposição, a baixa
sensibilidade das chapas fotográficas pelos raios X e a revelação das imagens
eram difíceis. Tudo isso exigia conhecimentos especializados que levavam a
resultados insatisfatórios e a qualidade das imagens, na época, era prejudicada
pela baixa densidade, pelo contraste deficiente e pela baixa sensibilidade.
A história da
fotografia começou em 1826, quando o francês Joseph Nicephore Niepce fez a
primeira fotografia com uma câmara estenopeica. Nove anos depois, em 1835,
outro francês de nome Louis J.M. Daguerre criou a revelação química e reduziu o
tempo de exposição das fotografias.
Em 1839, na
Inglaterra, Williiam F. Talbot concebeu o sistema fotográfico positivo/negativo.
Ele descobriu que podia revelar uma imagem negativa latente formada em uma camada de sais de prata e que, depois
de colocada sobre um papel sensível e exposta à luz para ser copiada,
transformava-se numa imagem positiva. No mesmo ano, avaliando o trabalho de
Talbot, Sir John Herschel criou o termo “fotografia”
e as palavras “positivo” e “negativo” para designar as fases do
processo fotográfico.
Em 1851, Frederic
Scott Archer, na Inglaterra, concebeu o sitema de colódio que é uma fina camada
de substância seca que ele usou para ligar os sais de prata ao vidro das
chapas.
Em 1871, Richard
L. Maddox, também na Inglaterra, substituiu o colódio por gelatina, usando
chapas de vidros revestidas com uma camada de gelatina seca na qual havia uma
suspensão de brometo de prata.
No ano de 1879, as
chapas fotográficas de vidro eram fabricadas manualmente em muitos países.
Nesse ano, George Eastman, nos Estados Unidos, inventou uma máquina para
revestir automaticamente as placas com o material sensível.
AS CHAPAS E OS
FILMES RADIOGRÁFICOS
Quando Roentgen
descobriu os raios X em 1895, ele podia usar, em suas experiências, papéis e
chapas fotográficas de vidro, mas decidiu usar apenas as chapas de vidro.
Só depois, no ano
de 1889, Eastman criou o filme para fotografias, tendo como suporte o nitrato
de celulose.
As chapas de vidro
eram de conservação difícil porque a gelatina tendia a se soltar do vidro, eram
frágeis, quebravam facilmente e seu transporte era difícil porque pesavam
muito: uma chapa de 25cm x43cm pesava cerca de 900 gramas enquanto um filme do
mesmo tamanho tinha peso de 28 gramas (fator de 20:1). As chapas eram caras:
uma chapa de 35x43 cm custava, em 1906, 1 dólar (valor que hoje equivaleria a
100 dólares). Para se ter ideia de custo, na época um terno valia 7 dólares, um
par de sapatos, 3 dólares e o preço da carne era de 40 centavos de dólar por
quilo. As chapas fotográficas tinham outros defeitos menos óbvios: um deles,
era a paralaxe que impedia a cobertura dos dois lados do vidro com material
sensível.
Apesar dos
inconvenientes, as chapas de vidro tinham uso preferencial porque seu manuseio
era mais conhecido do que a manipulação dos filmes e dos papéis fotográficos. A
cobertura com gelatina somente em um dos lados do vidro permitia que fossem
usadas bandejas para a revelação, enquanto os filmes, com emulsão nos dois
lados, tendiam a se enrolar e não eram revelados satisfatoriamente por esse
processo e, como pior defeito, eram menos sensíveis.
A partir da
descoberta dos raios X, começaram as tentativas de corrigir os defeitos inerentes
às chapas fotográficas. Em dezembro de 1896, apareceu o papel fotográfico
específico para os raios X, mas a iniciativa fracassou porque eles exigiam
tempo de exposição mais longo que o usado com chapas de vidro e lhes faltava
densidade.
Nessa época entraram
no mercado novos fabricantes de chapas radiográficas. O primeiro entre eles foi
o alemão Dr. Carl Scheussner que, a pedido de Roentgen, fabricou chapas de
vidro com emulsão mais espessas e mais sensíveis aos raios X. A
primeira placa feita na América, para uso radiográfico, foi fabricada em
fevereiro de 1896, pela cooperação de dois pesquisadores: John Carbutt e Arthur
Goodspeed. Entre 1902 e 1912, a MA Seed Dry Plate Co. de St.
Louis, Missouri e a Watten Dan Wainwnight Ltd. De Croyden , na Inglaterra, fabricaram chapas para
uso radiológico.
Em 1913, Eastman
lançou o primeiro filme específico para uso em radiologia, com material
sensível numa só face. Somente no ano de 1914 ocorreu a virada para o uso de
filmes porque faltou o vidro. Nessa época, o vidro era fabricado na Bélgica e a
Primeira Guerra Mundial interrompeu o fornecimento desse material, devido ao
ataque da marinha de guerra alemã à marinha mercante aliada. A situação piorou
depois da invasão da Bélgica pelas tropas alemãs, exatamente quando aumentou a
demanda por radiografias para tratar os feridos de guerra. A necessidade de
placas radiográficas tornou-se tão grande que obrigou a criação de uma solução
imediata, no caso, o filme radiológico.
Apesar de tudo e
por incrível que pareça, cessada a guerra, foi difícil convencer os
radiologistas a abandonar as chapas de vidro em favor dos filmes. Esses só
foram universalmente usados a partir da década de 20. O longo uso das chapas de
vidro criou a herança atávica do uso, ainda hoje comum, da expressão “chapa radiográfica” como sinônimo de
exame radiológico.
O uso dos filmes
avançou depois que, na década de 20, foi criada a colgadura uma espécie de
bastidor de metal para conter os filmes na posição vertical no processo de
revelação, fixação e lavagem das películas em tanques verticais. Contribuiu para
o uso universal dos filmes o aumento de sua sensibilidade e a redução de tempo
de exposição. Essa redução do tempo de exposição ocorreu com o uso de chassis
munidos de dois écrans reforçadores. Graças a esses avanços, tornou-se possível
o uso do diafragma antidifusor Potter-Bucky cuja história será descrita mais
adiante.
Os primeiros
filmes tinham o inconveniente de usar a base de nitrato de celulose que os
tornava facilmente inflamáveis. Em 1924, a Kodak lançou o filme não inflamável
cuja base era acetado de celuloide. Apesar da novidade, o uso de filme
inflamável com base de nitrato de celuloide somente cessou em 1933, depois que
aconteceu o maior desastre provocado por filmes com base de nitrato de
celulose. Isso ocorreu no incêndio do Hospital de Cleveland, em 1929. Atribui-se,
como causa do incêndio, a explosão de uma lâmpada no subsolo do hospital onde
estavam o departamento de raios X e o arquivo dos filmes. O fogo e os gases de
duas explosões sucessivas mataram 126 pessoas entre pacientes, médicos,
enfermeiros, incluindo, entre eles, o Dr. Philips, fundador do hospital.
No ano de 1918, a
Kodak lançou o filme “Dupli-Tized” (dupla emulsão) com camadas sensiveis em cada face, aumentando a
sensibilidade e permitindo o uso de écrans reforçadores duplos.
Em 1933, a Du Pont
lançou o filme com base azul para melhorar a inspeção das radiografias pelos
radiologistas e, no ano seguinte, todos os fabricantes utilizaram o mesmo
processo.
Em 1934, a ANSCO
começou fabricar o filme “no-screen” com sensibilidade suficiente para a
realização de radiografias sem o uso de écrans, mas com tempo de exposição
curto, dedicados especialmente para o exame radiológicos das extremidades.
Entre 1939 e 1944,
durante a Segunda Guerra Mundial, a escassez dos filmes de acetato de celulose
obrigou o uso temporário de papel radiográfico.
Em 1960, a Du Pont
substituiu a base de acetato de celulose por poliéster e já em 1964, todos os
filmes do mercado usavam o mesmo material.
Em 1964, apareceu
o filme para mamografia com camada ultrassensível em uma só face e para uso sem
écran.
Em 1977, a Kodak
lançou um filme com material sensível à luz, colocado entre o suporte de
poliéster e a camada de gelatina material que aumentou a sensibilidade da
película. Um novo avanço ocorreu em 1983, quando a Kodak lançou o filme de alta
sensibilidade e alta resolução, cujo material sensível era formado de cristais
laminados com superfícies paralelas aos écrans reforçadores.
A REVELAÇÃO DOS FILMES
Além das qualidades inerentes às chapas de vidro ou aos
filmes usados na radiologia, na época do descobrimento dos raios X as
radiografias dependiam do processo de revelação que estava sujeito à variação
de muitos fatores. Entre os fatores que influenciavam na revelação estavam a
qualidade e o tempo de uso dos reagentes químicos e a temperatura de revelação.
Nessa época, usava-se o processo manual de revelação, que era realizado em
câmaras escuras, iluminadas com tênue luz vermelha. A revelação era um trabalho
dito operador-dependente, isto é, quem trabalhava na revelação decidia, na
penumbra da luz vermelha, o momento de dar por encerrado o processo químico de
revelação.
Na revelação manual, portanto, não havia uniformidade na
qualidade das radiografias e, quando a chapa saía com má qualidade, o exame
precisava ser repetido. A repetição dos exames aumentava custos, submetiam o
paciente e os técnicos à maior exposição aos raios, aumentava o tempo de
entrega das radiografias aos médicos e pacientes.
Esse conjunto de variáveis, que era de difícil controle,
tornou a revelação automática uma necessidade, especialmente para os serviços
de grande demanda, os quais necessitavam racionalizar a aquisição dos exames.
O primeiro protótipo de máquina processadora automática
foi criado em 1928, pela firma Pako Corporation com o nome de “Filmemachine”, produzido inicialmente
para as forças armadas americanas durante a Segunda Guerra Mundial. A máquina
só foi lançada no mercado em 1945. Era uma máquina em que os filmes eram
colocados em colgaduras e tinha um ciclo de revelação do filme (de seco para
seco) de 40 minutos.
As primeiras processadoras automáticas eram máquinas com
três metros de comprimento, pesavam setecentos e cinquenta quilos e que custava
US 33.000,00 (equivalente hoje a US 150.000,00).
Em 1956, a Kodak lançou no mercado a máquina “Kodak-X-Omat” que já era uma
processadora de rolos, mais leve e de menor custo e logo foi seguida por outros
fabricantes.
Na medida em que melhorou a qualidade das emulsões dos
filmes e o processo de secagem rápida, já, em 1956, o ciclo seco-seco da
revelação passou para pouco mais de um minuto podendo atender os serviços de
radiologia com grande demanda.
BIBLIOGRAFIA
Screen
Film Processing System for Medical Radiography: A Historical Review Arthur G. Haus and John E.
Cullinan Health Sciences Division, Eastman Kodak Company, Rochester, New
York Volume 9, Number 6,
Monograph #149 November, 1989 RadioGraphics I pg 203
Timeline for film history- em http://www.brightlineinteractive.com/_projects/NPSCS/flash/pdf/2.3.1a.pdf
Acesso em 02/10/2013
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HISTÓRIA
DAS RADIAÇÕES NO DIAGNÓSTICO MÉDICO – ONDAS DE CHOQUE - RUÍDO E SOM - PERCUSSÃO
E AUSCULTA.
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ARTERIAL.
HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNÓSTICO MÉDICO – ESPECTRO
ELETROMAGNÉTICO = RAIOS X
HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNÓSTICO MÉDICO – ESPECTRO
ELETROMAGNÉTICO
A HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNÓSTICO MÉDICO - AS
PRIMEIRAS RADIOGRAFIAS, A CHEGADA DOS RAIOS X NO BRASIL - OS RAIOS X NAS
GUERRAS - A HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO DOS TUBOS DE RAIOS X - A HISTÓRIA DA
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