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domingo, 19 de janeiro de 2014

V - A HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR– HEVESY E O CONCEITO DE RADIOTRAÇADOR = A EXPERIÊNCIA DE BLUMGART = A TERAPIA COM RADIOISÓTOPOS NATURAIS

V - A HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR– HEVESY E O CONCEITO DE RADIOTRAÇADOR = A EXPERIÊNCIA DE BLUMGART = A TERAPIA COM RADIOISÓTOPOS NATURAIS
Prof. Dr. João Eduardo Irion
Aposentado da Faculdade de Medicina
Universidade Federal de Santa Maria – RS – BR
Médico Nuclear
do Serviço de Medicina Nuclear de Santa Maria
jirion @terra.com.br
joaoeduirion.blogspot.com.br

GEORGE DE HEVESY

George de Hevesy, físico-químico húngaro, cujo nome de batismo era Hevesy György, também conhecido como Georg Karl von Hevesy recebeu o Prêmio Nobel de Química de 1943 por suas pesquisas e pela criação do conceito de radiotraçador.
                                                          Ilustração 1 Geoge de Hevesy
Hevesy começou a desenvolver o conceito de radioindicador, termo que ele usou no trabalho “Ueber Rodioelemente als Indikatorem in der analytschen Chemie”, palavra posteriormente substituída por radiotraçador. A história começa em 1911, quando ele trabalhava com Rutherford que o encarregou de separar o “rádio D” de uma amostra de chumbo. Hevesy não conseguiu a separação por meios químicos disponíveis na época, porque rádio D (210 Pb) é um isótopo radioativo do chumbo. Percebendo o significado do fato, em 1913, já em Viena, Hevesy usou sais radioativos de outro isótopo do chumbo (212Pb) para determinar a solubilidade do chumbo. O trabalho “The Solubility of Lead Sulphide and Lead Chromate" (Hevesy and Paneth 1913) tornou-se a primeira publicação sobre a técnica do radiotraçador e veio para remodelar a ciência no século XX e servir de base a uma nova especialidade médica.
Em 1923, de Hevesy usou o 212Pb pela primeira vez num sistema biológico e sua experiência constou em irrigar o feijão da espécie Vicia faba com o indicador no líquido nutriente e depois incinerar a planta para mediar a radioatividade nas cinzas. Essa técnica tinha a desvantagem da alta toxidade do chumbo nos sistemas biológicos e só depois da descoberta da radioatividade artificial por Irène e Frédéric Joliot em 1934, os radiotraçadores foram usados mais amplamente como um poderoso instrumento de pesquisa nos sistemas vivos.
Em 1924, junto com I. A. Christiansen e S. Lonholt, Hevesy estudou pela primeira vez a fisiologia animal injetando bismuto 83Bi214 radioativo em um coelho.
Em 1933, Harold Urey deu a Hevesy alguns litros de água com 0.6% óxido de deutério (isto é, a água pesada). Hevesy e seu amigo E. Hofer beberam 150, 250, e 2000 ml dessa água. Depois de recolherem 55 amostras de urina e fezes, fizeram mais de 1000 destinações e por meio de medidas gravimétricas concluíram que no ser humano a água aparece na urina em 26 minutos após ser bebida, permanece no corpo, em média, por treze dias e meio e que o corpo humano contém cerca de quarenta e três litros de água. Essas foram as primeiras medidas biológicas da diluição de um radioisótopo, chamado a atenção o fato de que, no caso, o isótopo usado era estável.
Em 1935, Chievitz e Hevesy produziram fósforo 32 bombardeando dissulfito de carbono com neutros oriundos de fonte de radônio e berilo. Com o 32P estudaram o metabolismo do fósforo em ratos e o relataram no trabalho “Radioactive Indicators in the Study of Phosphorous Metabolism in Rats" (Chievitz and Hevesy 1935), demonstrando que existe um equilíbrio dinâmico nos sistemas biológicos, um conceitos revolucionários na época.
Hevesy escreveu numerosos trabalhos, mas os citados foram suas principais contribuições para a criação dos princípios dos radiotraçadores.

O INÍCIO DA MEDICINA NUCLEAR
HERMANN BLUMGART

A primeira e mais famosa aplicação de radioisótopo em um ser humano aconteceu em fevereiro de 1925, quando Hermann Lwdwig Blumgart, médico chefe do Beth Israel Hospital em Boston e professor de Medicina da Harvard Medical School, mediu, em segundos, a velocidade de passagem do sangue entre dois pontos do corpo humano, usando para isso isótopos radioativos.

                                                           Ilustração 2 Hermann Blumgart
Nessa época, em Harvard, William Duane usava agulhas com radônio para a terapia do câncer e media a radiação o com um detector colocado fora do paciente. O fato inspirou Blumgart para planejar sua experiência.
Na ocasião, só existiam isótopos radioativos naturais oriundos da desintegração do urânio e rádio e Blumgart procurou entre eles uma substância com as seguintes qualidades:
·        a substância deveria ser atóxica;
·        a substância não deveria existir no corpo antes do estudo;
·        a substância não deveria ser alterada durante o processo de mensuração;
·        a substância deveria ser detectável em mínimas quantidades.
A experiência planejada devia ser:
·        Um método objetivo, exigindo pouca ou nenhuma participação do paciente;
·        Um método não-invasivo, exceto pela administração da substância;
·        Um método rápido para indicar automaticamente o tempo de chegada da substância.
Com esses pré-requisitos era como se Blumgart estivesse lançando os fundamentos do uso dos radiotraçadores em Medicina Nuclear.
O rádio C (composto de uma mistura de 83Bi214 e de 82Pb214) era nos anos 20 usado para fins terapêuticos em doses entre 1800-2700 MBq, sem efeitos colaterais e por isso, Blumgart concluiu que poderia usá-lo com segurança em doses menores entre 37-222 MBq.
Um segundo problema a resolver era a escolha do detector a ser usado. Nessa época, contava-se somente com o eletroscópio de folhas de ouro, seu uso foi descartado porque era um aparelho que fornecia respostas lentas. O detector Geiger em 1925, ainda não aperfeiçoado, detectava somente radiação α e, ainda mais, oferecia perigo para ser usado em pacientes porque trabalhava com voltagem elevada. Restava como alternativa a câmara de Wilson porque ela detectava radiação β e raios γ e, depois que foi modificada por Takeo Shimizu, o tempo morto foi reduzido e a câmara se tornou sensível.
A câmara de nuvens de Wilson necessitava adaptações e Blumgart confiou a Otto C. Yens, um estudante do segundo ano de medicina tais ajustes.
Yens fez três modificações na câmara; a primeira consistiu em modificar o sistema de descompressão para aumentar-lhe a sensibilidade; a segunda foi reduzir a voltagem de trabalho, originalmente de 200 V para 50 volts, com o objetivo de segurança para o paciente; a terceira modificação foi a mais importante, uma vez que, na câmara original, a fonte radioativa para ser medida estava no interior do aparelho, mas a experiência necessitava de um detector de radiação externo ao instrumento. Na última modificação, Yens substituiu o cilindro de vidro da câmara original por um cilindro de celulóide para permitir a entrada de radiações β e γ oriundas de uma fonte externa ao aparelho.
O próprio Blumgart foi a cobaia na primeira experiência. O “radiofármaco” foi injetado em seu braço direito, possivelmente por Yens, estando a câmara colocada junto ao braço esquerdo e separada do corpo do paciente por uma blindagem de chumbo. Blumgart não relatou tempo de circulação obtido nessa experiência, mas ele passou a considerar como normais tempos entre 15-21 segundos em pessoas sãs e entre 50-60 s em pacientes com insuficiência cardíaca.
Blumgart é considerado o fundador ou “pai” da Medicina Nuclear em virtude de sua expediência pioneira, enquanto Yens é considerado o fundador ou “pai” da instrumentação em Medicina Nuclear, por ter criado o primeiro equipamento para uso específico no setor.
Em 1979 o Capítulo New England da Society of Nuclear Medicine criou o Prêmio Hermann Blumgart e em 1989 de Vascular Council assumiu a responsabilidade de conceder esse prêmio como reconhecimento às contribuições no campo da Cardiologia Nuclear e dos serviços ao Conselho.

A TERAPIA NA ERA DA DESCOBERTA DA RADIOATIVIDADE

No primeiro período da história da Medicina Nuclear a terapia com radioisótopos só podia ser realizada com rádio e radônio. A contaminação que o radônio produzia exigia terapia com fontes seladas, colocando-a fora dos limites da especialidade. Assim, a abordagem do tema será feita “em passant”, visando somente alguns detalhes do uso e consequências das radiações nucleares em medicina, na indústria e no comércio.
Em 1900, os médicos Otto Wallofff e Frederick Geisel observaram efeitos na pele causados pela radiação emitida pelo rádio e similares aos dos raios X. Em 1901 Eugène Bock usou rádio para tratar lesões cutâneas. Em 1901, Pierre Curie sugeriu ao médico Henri-Alexandre Damlos a inserção de fontes radioativas em tumores. Damlos aceitou a sugestão e constou que os tumores regrediam com a irradiação. De modo independente Alexandre Gaham Bell também sugeriu o uso de radiações dessa forma. Foi assim que, no início do século XX, desenvolveu-se a curieterapia ou braquiterapia (esse último nome sugerido por G. Forsell em 1931). As técnicas de braquiterapia foram desenvolvidas por Danlos no Instituto Curie e por Robert Abbe no St. Luke´s Memorial Hospital, em Nova Iorque.
Além da braquiterapia houve o uso de isótopos naturais injetáveis para tratamento de tumores. Damlos, por exemplo, usou, para isso, o rádio C (uma mistura de 82Pb214 e  83Bi214) em doses terapêuticas, no valores atuais de 1,850- to 2,775 MBq, sem efeitos colaterais. Fo observando essa aplicação que Blumgart resolveu usar o  radio C em sua experiência na determinação da velocidade sanguínea já descrita neste trabalho.
Outro caso de uso interno de radioisótopos naturais, ainda que sem  fundamentos científicos, ocorreu na primeira década do século passado quando Fredericck Poescher injetou cloreto de rádio em pacientes para tratamento da hipertensão e tratamento de artrite.
O uso do rádio e do radônio requeria blindados em agulhas. Houve um hospital no qual, durante a esterilização, uma agulha de rádio foi quebrada e o radônio contaminou todo o prédio e a contaminação se estendeu até para as casas das pessoas que ali trabalhavam ou que visitaram o hospital, levada pelo radônio nas roupas e sapatos para suas residências. Muitos pesquisadores foram vitimas da radiação, e a mais famosa delas foi Marie Curie que morreu de anemia aplástica.
Entre 1901-1902, foi descoberta radioatividade em águas minerais por Elser e Geitel na Alemanha, por Poschettino e Sella na Itália e por Meyer e Mache em St. Joachimtal e Tompson em Cambridge. Dois anos depois, Himsted verificou que a radioatividade na água era devida ao radônio Atribui-se poder curativo às águas desse tipo, dando origem à implantação de balneários especializados, embora, na década de 20, estudos clínicos não confirmaram efeitos curativos significativos das água minerais.
No início da década de 20, começou a fabricação de relógios com mostradores e ponteiros luminosos com sais de rádio, pintados por mulheres. No trabalho, as operárias costumavam molhar os pincéis na boca, contaminando-a com resíduos do sal. Já em 1924, começaram os relatos de necrose das mandíbulas e maxilas dessas trabalhadoras e, posteriormente, aparecimento de neoplasias orais em consequência da irradiação produzida pelo rádio. O rádio como os raios X foram vítimas de aproveitadores que o apresentavam como panacéia.  Um exemplo foi o Radoiothor fabricado desde 1918 a 1928, composto de rádio 226 e 228, anunciado como “a cura para o morto vivo”.
                                                    Ilustração 3 O Radiothor..


                                        
                                  Ilustração 4 - Anúncio de Produto de beleza conte4ndo radio.
Esses eventos deram origem ás normas de radioproteção.

Postagens anteriores:

HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNÓSTICO MÉDICO –

ONDAS DE CHOQUE - RUÍDO E SOM - PERCUSSÃO E AUSCULTA.

HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNOSTICO MÉDICO = ONDAS DE CHOQUE - PULSO E PRESSÃO ARTERIAL.

HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNÓSTICO MÉDICO – ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO = RAIOS X

HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNÓSTICO MÉDICO – ESPECTRO ELETROMAGNÉTICO

A HISTÓRIA DAS RADIAÇÕES NO DIAGNÓSTICO MÉDICO - AS PRIMEIRAS RADIOGRAFIAS, A CHEGADA DOS RAIOS X NO BRASIL - OS RAIOS X NAS GUERRAS - A HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO DOS TUBOS DE RAIOS X - A HISTÓRIA DA FLUOROSCOPIA - A HISTÓRIA DA ABREUGRAFIA

A HISTÓRIA DOS FILMES RADIOGRÁFICOS

A HISTÓRIA DOS ÉCRANS REFORÇADORES

A HISTÓRIA DO DIAFRAGMA POTTER-BUCKY

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MEDICINA NUCLEAR – PRIMEIRA PARTE = INTRODUÇÃO = CLASSIFICAÇÕES DOS ELEMENTOS= CLASSIFICAÇÕES DOS NUCLÍDEOS

A HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR – A DESCOBERTA DA RADIOATIVIDADE = BECQUEREL = MARIE E PIERRE CURIE 

A HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR– A NATUREZA DAS RADIAÇÕES α, β e γ
A HISTÓRIA DA MEDICINA NUCLEAR - OS  DETECTORES NA FASE  DE 1896 A 1936

 

Próxima postagem:

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